Crítica | Streaming e VoD

After – Depois da Promessa

Cinquenta tons de desserviço

(After Ever Happy, EUA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama, Romance
  • Direção: Castille Landon
  • Roteiro: Sharon Soboil
  • Elenco: Josephine Langford, Hero Fiennes Tiffin, Mira Sorvino, Stephen Moyer, Louise Lombardo, Rob Estes, Chance Perdomo, Kiana Madeira, Carter Jenkins, Atanas Srebrev.
  • Duração: 95 minutos

Antes de mais nada, vamos tirar o elefante da sala de cristais: a cinessérie After, de cinema, não tem absolutamente nada. Desde o segundo episódio (After: Depois da Verdade), e passando pelo terceiro (After: Depois do Desencontro), foi praticamente assumido que o espectador está indo ao cinema – e posteriormente assistindo em streaming – a episódios de uma série. “ah, mas não é o que é?”, então… não. Ou melhor, deveria ser, tal qual coisas como Party of Five e One Tree Hill. Ao invés de ter pego a coleção de livros de Anna Todd e transformado em inúmeras temporadas para a HBO Max, Netflix ou Prime Video, os produtores resolveram fazer dois episódios a cada novo capítulo. O certo, pela estrutura utilizada aqui, era ter sido destinada ao tradicional “um capítulo por semana”, porque teríamos então o encontro do produto com seu veículo de origem, de onde o projeto fugiu.

Traduzindo pra quem ainda é virgem nos exemplares: tanto aqui, nesse novo After: Depois da Promessa, quanto nos anteriores, temos um resumo nos primeiros minutos do que aconteceu anteriormente. Lembram ‘previamente em…’, que abrem algumas séries? É exatamente isso. Além do tal, temos ainda a total ausência de textura cinematográfica. Tudo é compreendido em narrativa seriada, com um acúmulo de saltos geográficos dignos de Gloria Perez, e dramaturgia igualmente novelesca, mais pra finada Malhação, com quilos de drama. É inacreditável que seus protagonistas sejam tão jovens, o ambiente seja tão contemporâneo, mas o filme quase que exclusivamente se comunique com o público perdido entre os anos 1950 e 1960, em fundamentação sócio-comportamental. E isso só reforça seu caráter antiquado/arcaico.

Dito o óbvio, sobre a indigência cinematográfica exposta aqui, vamos então analisar o que pode ser analisado em uma produção como essa: porque estamos sempre produzindo materiais sobre romantização do abuso – todas as formas de – contra a mulher? Não bastam 50 Tons de Cinza, 365 Dias, precisamos também propagandear essa prática de machismo e violência desde a adolescência. Se cada um desses títulos e suas continuações servissem para a denúncia e a criminalização de tais atitudes, existiria ao menos um motivo para que essas produções ganhassem a luz do dia. Mas nada disso está em discussão, e talvez até o contrário disso. São títulos que pregam a regeneração de práticas não-regeneradas. Parece confuso né? Pois é assim que esses filmes funcionam: nada muda, homens crápulas continuam sendo de uma categoria de esgoto ainda muito fedida, mas são sempre perdoados, por mais que nunca deixem de manipular e violentar. 

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Ainda que se reconheça muitos personagens da vida real em Hardin, e tenhamos consciência de que meninas em condições parecidas com as de Tessa vivam por aí em relacionamentos ainda piores, After: Depois da Promessa nada faz para ajudá-las. Pelo contrário, o filme premia seu vilão – sim, vilão – com uma nova profissão e um vislumbre de redenção, calcado em mais um abuso! Se não fosse suficiente o que fez com a mulher que diz amar (mas que na verdade só oprime e explora emocionalmente), Hardin literalmente rouba sua fala ao final, e com isso é premiado e tem a sua história condecorada com a publicação. Ou seja, não basta martirizar e diminuir, nosso protagonista ainda torna pública todos os abusos que cometeu com sua parceira. Mesmo que ela o proíba de fazê-lo, ele mais uma vez pensa apenas em si e se torna um escritor disputado por inúmeras editoras. Parece inacreditável, mas é exatamente assim que acontece. 

É desserviço atrás de desserviço, mas isso já havia ficado claro desde o primeiro episódio. Parece, no entanto, que a gravidade do que é feito na série vai num crescendo exponencial onde não existe espaço para acertos. Uma narrativa tão anacrônica e repleta de estragos psicológicos ter uma base de fãs tão arraigada, oriunda das publicações literárias, é assustador mas também revelador do lugar onde se colocam essas mesmas admiradoras. A cada elogio às obras citadas acima (e, acreditem, eles existem – o sucesso é uma resposta), impressiona mais que seus valores estejam sendo assimilados e pouco refletidos pelo público que o consome.

No fim das contas, olhamos para o elenco em cena (especialmente os premiados Mira Sorvino e Stephen Moyer) e não tem outro sentimento a atingir que não o de pena. Mesmo os protagonistas, ou especificamente Josephine Langford, que parece ter um pouco mais de estofo, não são passíveis de avaliação, tendo um texto tão raso para ser verbalizado. São personagens inconstantes, que não fornecem quaisquer qualidades a serem desenvolvidas, mas que podem ser lidos como coerentes ou críveis por uma fatia do público. Nem uma coisa nem outra, pois um roteiro tão irresponsável não deve ser minimamente levado a sério. É um caso maior de espanto e revolta, além de ausência de méritos fílmicos, que fazem de After: Depois da Promessa mais um degrau rumo ao fundo do poço.

Um grande momento
Não tem

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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