Crítica | Festival

Cordel do Amor sem Fim

Lugar de mulher

(Cordel do Amor sem Fim , BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Daniel Alvim
  • Roteiro: Daniel Alvim
  • Elenco: Helena Ranaldi, Patrícia Gasppar, Marcia de Oliveira, Luciano Gatti, Rogério Romera
  • Duração: 75 minutos

Originalmente uma peça de teatro escrita por Claudia Barral e encenada por Daniel Alvim, Cordel do Amor sem Fim chega a competição do Cine PE 2024 em sua versão para o cinema. Provavelmente muito deveria funcionar no palco, onde a visão de um mundo encerrado em uma casa do sertão baiano é capaz de reluzir uma realidade universal de maneira bastante ampla. Aqui, Alvim faz sua estreia na direção cinematográfica e consegue levar todo o mesmo elenco da peça para o cinema, ao levar o sucesso teatral para outra mídia. Trata-se de uma escolha arriscada, mas banal no que a tradição manda – sucessos de arte acabam por gerar o interesse de outras formas de arte; nada disso significa em caráter automático que a transição fará sentido. 

Aqui, a maior parte não faz. Nem o tom é o mais adequado, nem os esforços para que tal texto encontre repercussão no cinema parecem caber, simplesmente, seja pela ausência de embocadura de cinema, seja pelo texto parecer antiquado de verdade. Independente do que se observa narrativamente, é a própria realização de Alvim que não sustenta o que parece desejar. Um grupo de três irmãs protagoniza uma obra em 2024, logo imaginamos que sua discussão seja condizente ao nosso tempo; não é, e isso não é a principal questão em torno do que vemos, e sim como a inexperiência de Alvim não deixa a atmosfera da obra respirar. Cordel do Amor sem Fim é um novelo mal amarrado que por estar conectado, não permite que o todo não sufoque sistematicamente tudo o que vemos. 

O tempo fabular não funciona no cinema se não for aplicado com sutileza e/ou segurança pela realização, não basta que uma câmera gire em torno do elenco prostrado em uma mesa. O que vemos ao longo da produção é que o filme não parece acreditar no que está contando, da forma assertiva que tais eventos pedem; se a confiança no que está sendo contado não é alcançada, nada a seguir se sustentará. Tais representações são esvaziadas por conta da escassez do que é oferecido, como na cena onde Carminha finge ter sofrido um acidente, e o que vemos é apenas constrange quem assiste, porque nenhum desafio estético é proposto para além do que é declarado verbalmente. Resta um grupo de cenas vazias em seu emocional, um elemento caro a Cordel do Amor sem Fim

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Na estrutura da narrativa, o catalisador da trama se sustenta, e provoca em sua aparente simplicidade. Como na tradição teatral, existe um personagem sendo esperado para dar continuidade aos eventos; quando ele não se faz presente, essa nova configuração não esperada torna-se o novo ponto de partida. ‘Esperando Godot’ é o exemplo mais óbvio, mas tal gatilho não tem a mesma força no cinema, para fazer uma obra girar em torno de tal questão por mais de uma hora de duração, mesmo que crie para si uma leitura de fábula. No lugar dessa credibilidade, temos uma introdução a algo parecido com o realismo fantástico, mas que é mal utilizado pelas ideias originais ali. E a partir daí, nenhuma outra decisão chega perto de funcionar. 

O elenco uniformemente não funciona, nem na experiência de Helena Ranaldi ou no que poderia ser o frescor de um elenco não testado para a exposição audiovisual. O tom de todos é muito agudo, que leva Cordel do Amor sem Fim a picos de estridência cênica. Além disso, narrações em off não costumam ser particularmente boas, sendo que aqui temos daqueles casos raros onde nada funciona também nesse espaço. Estamos diante de um texto poético de auto ajuda muito canhestro, com o filme investindo em uma artificialidade que nem sempre alcança os resultados esperados. Quando observamos o filme ainda se encerrar como uma novela antiquada, narrando os destinos das personagens, é que precisamos aceitar que o tratamento sem qualquer desenvoltura mostra inclusive o machismo explícito de uma obra cheia de erros. 

O maior deles é o fato de que Alvim não consegue traduzir para o nosso tempo um recorte do feminino, ainda que seu filme seja adaptado de uma peça feminina, e estrelado por mulheres. O que vemos são estereótipos sendo propagados e difundidos, com uma visão muito pequena do que é ser mulher, a partir de principalmente suas próprias caraterísticas e desfechos. A mulher não é feita para a sexualidade, precisando condenar o que deseja? A mulher presa só é liberta quando acessa a maternidade? A mulher está condenada a esperar pela chegada de algo que nem sabe se virá – e a representação dessa espera é um homem? Não acho que nenhuma dessas simplificações sejam a representação de coisa alguma, mas o resultado de Cordel do Amor sem Fim passa por esses resumos rasos.

Um grande momento

Madalena faz o almoço

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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