- Gênero: Drama
- Direção: Clint Eastwood
- Roteiro: Nick Schenk, N. Richard Nash
- Elenco: Clint Eastwood, Eduardo Minett, Dwight Yoakam, Natalia Traven, Fernanda Urrejola, Jorge-Luis Pallo, Rocky Reyes
- Duração: 100 minutos
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Há uma atmosfera que perpassa a filmografia recente de Clint Eastwood que nos leva ao seu grupo de projetos sobre a mitificação do herói americano, sua ascensão e queda; sempre foi errôneo tratar como “trilogia” algo que Clint sempre investiu, a investigação desse totem, do olhar para ele, sua eventual queda e as consequências da mesma. Na década passada, talvez só em Jersey Boys ele tenha deixado de ilustrar esse panorama para se dedicar a outro tema que também lhe provoca e que eventualmente se insere conjuntamente nos projetos, como a decantação do american dream, dissecar o sonho americano em sua essência. Isso é o mote do seu novo e dos mais singelos filmes da carreira, Cry Macho.
Acho muito sintomático que, depois de estrelar A Mula, Eastwood não esteja fazendo um filme sobre o fim de coisa alguma, mas sobre reencontrar uma vivacidade que já não se sabia existir mais. Sobre como, por baixo do “o homem tem de fazer o que tem de fazer”, estejam brasas ainda prestes a serem revividas e uma sensação de ressuscitação, em meio a um fim já declarado. Mike Milo, seu personagem, começa o filme com a consciência desse fim, no qual seu próprio diretor encarrega de abortar; não é irônico que ambos sejam a mesma pessoa. É a sua resposta para as constantes perguntas sobre aposentadoria, sendo respondidas por um homem que urra pelo sonho.
Desde a abertura, com os flashes do sol procurando pelo carro do personagem principal, sentimos a sombra perdendo espaço constante na vida desse homem. Sem que ele perceba, é arremessado em uma espécie de “última missão” em meio a dívidas de honra (quem minimamente conhece o diretor, sabe que elas são uma constante). Da obrigatoriedade, Mike descobre uma razão para voltar a fazer planos; a textura é essa, simples assim. Quem faz isso por ele é uma espécie de acerto de contas com o tempo, que retrocede no reflexo à sua frente, no reencontro com os animais, e em uma derradeira chance de amar – a si mesmo, principalmente. Tudo isso só é possível porque aquele homem deve perdão a si mesmo, e esses elementos promovem esse acerto de contas particular.
O sonho americano por excelência é representado por Rafael, a missão de MIke. Assim como seu “tutor relâmpago”, ele não sabia que ainda havia espaço para um desejo profundo na vida, que igualmente fora madrasta a ele – quase literalmente. Juntos, eles percebem que suas dores não assumidas podem ser curadas a dois, na companhia um do outro ou na promessa de uma amizade fiel, daquelas que você reconhece com facilidade (“você sabe onde me encontrar”, diz um agradecido e enfim esperançoso Mike). São homens diferentes, os que abrem e fecham Cry Macho, imbuídos do último tempo onde o sonho ainda era permitido.
Eastwood filma essa jornada como se transmutasse esses protagonistas. O jovem, que termina sábio, amadurecido e com perspectivas de uma paz nunca antes tida, e o velho, recheado de um vigor e uma vitalidade que há muito não experimentara, prestes a encarar um mundo que julgava não ser mais para ele. São trajetórias que se encontram no antagonismo, e mesmo assim alimentam-se uma da vibração da outra. É vigorosa a forma como a luz de Ben Davis (um fotógrafo com longa parceria no MCU, vejam só, incluindo o vindouro Eternos) incide gradualmente sobre a pele de seu ator, retirando as camadas de sombras que ele tinha adquirido pra si pra encerrar em um balé solar.
Adaptado do romance de Richard Nash pelo próprio e por Nick Schenk (colaborador de Eastwood em suas valsas A Mula e Gran Torino), talvez mais uma vez o diretor esteja observando uma aurora longínqua que sabe ter hora pra terminar. O que fica claro em Cry Macho, além de seus ensinamentos bem-vindos sobre como esse lugar do “macho padrão” é cafona e ultrapassado – e quem diria que esse título seria de um sarcasmo assumido? – é a sanha incontrolável de um autor pela posteridade e pela pulsão de vida irresistível em sua trajetória. É um grito muito audível de que a idade não é nada quando você se cerca de paixão avassaladora em tudo que fizer.
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