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Democracia em Vertigem

(Democracia em Vertigem, BRA, 2019)
Documentário
Direção: Petra Costa
Roteiro: Petra Costa, Carol Pires, David Barker, Moara Passoni
Duração: 121 min.
Nota: 6 ★★★★★★☆☆☆☆

“De onde tirar forças para caminhar entre as ruínas e começar de novo?” – essa pergunta reverbera antes, durante e depois de assistir a Democracia em Vertigem. Ela persiste ao longo de dias, que viram semanas. que viram meses, e que já viraram anos desde que a punhalada foi dada naquele fatídico dia do afastamento de Dilma Rousseff, presidente legitimamente eleita e insidiosamente afastada do seu cargo. A ela sucedeu o #ForaTemer e o #EleNão, o agora presidente Bolsonaro. Eis que desde 2015, a cineasta Petra Costa, de Elena, vem colhendo imagens e construindo a sua narrativa desses tempos bicudos. Longe de ser um relato apaixonado e arguto como o clássico Os Dias Que Abalaram o Mundo, de John Reed, o testemunho artístico e pessoal de Petra é embebido por uma visão romântica da esquerda brasileira.

Ao escolher o dispositivo da testemunha ocular da história, Petra baixa a guarda para ataques que vêm de diversas trincheiras – com o governo utilizando, inclusive, plataforma institucional para chamar seu filme de maléfico e mentiroso. Longe de sê-lo, Democracia em Vertigem, talvez pelo pecado da ingenuidade, acaba tendo uma visão pouco afiada da realidade ou desse lodo antidemocrático onde o Brasil está enfiado nos últimos tempos.

Claro que a narrativa documental no gênero da autoficção está imbricada na subjetividade e na perspectiva bastante individual e intransferível de seu autor, mas não é possível que Petra, se entrincheirando em suas memórias afetivas, tendo como artificial diegético a narração em off – que já virou uma marca negativa em seus filmes e nos mais recentes de João Moreira Salles, por exemplo –, não se apercebeu de como a narrativa da culpa burguesa do realizador cinematográfico que faz filmes com viés político precisa de ser reinventada. E não que colocar outra pessoa para narrar vá fazer qualquer diferença, pois é só ver que no equivocado O Mês Que Não Terminou, Francisco Bosco convida Fernanda Torres para narrar e convencer que o liberalismo é a solução de todos os problemas do país – o que nunca jamais será.

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Se a forma carece de um apuro ou até uma capacidade de afastamento emocional maior por parte da documentarista – que não tem jeito, pouco se esforça para colher depoimentos de Aécio Neves ou outros golpistas, enquanto humaniza Dilma e o ex-presidente Lula sem necessidade, pois se sabe que são, se não totalmente inocentes, no quadro, as baixas necessárias do ponto de vista das elites dominantes –, o conteúdo grita aos olhos do mundo. E especialmente pela potência, pela naturalidade das imagens exclusivas de Ricardo Stuckert, fotógrafo oficial de Lula e que assina a fotografia do filme junto com João Atala.

Possivelmente por isso, Democracia em Vertigem passa a impressão de ser uma obra construída no calor dos acontecimentos que sacudiram nossa república das bananas ao longo desses últimos anos. Mas é só prestar atenção nos créditos que será possível contar uma equipe de quase 15 pessoas responsáveis por checagem de fatos, pesquisa histórica – além de consultores se roteiros. Causa certa estranheza que a precisão histórica não esteja tanto na primeira camada da narrativa quanto nas considerações da mãe e da avó de Petra sobre Juscelino ou Dilma.

Pelo menos, ela assume não só uma posição ideológica (necessária) perante a vertiginosa derrocada do nosso sistema democrático, o que Maria Augusta Ramos não faz em O Processo, ao não deixar nas mãos do espectador a conclusão nem tão óbvia assim, como tantos outros produtos audiovisuais sobre o golpe fizeram.

Dentre outros documentários que relatam conflitos étnicos, político os e econômicos numa aldeia global de conflitos constantes, que caia no nosso colo o tão sonhado Oscar, mas que fique dito que Democracia em Vertigem ainda não é o atestado definitivo do golpe. Petra abusa da autoficção tornando a narrativa por vezes enfadonha e demagógica, mas é muito bem vinda a boa repercussão entre a crítica internacional, o espaço no noticiário e o burburinho nas redes sociais que atestam a importância da existência desse filme nesse cenário político tão desesperançoso.

Um Grande Momento:
Dilma no carro.

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Lorenna Montenegro

Lorenna Montenegro é crítica de cinema, roteirista, jornalista cultural e produtora de conteúdo. É uma Elvira, o Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema e membro da Associação de Críticos de Cinema do Pará (ACCPA). Cursou Produção Audiovisual e ministra oficinas e cursos sobre crítica, história e estética do cinema.
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