Crítica | CinemaDestaque

Bob Marley: One Love

Intenções certas nos problemas de sempre

(Bob Marley: One Love , EUA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Reinaldo Marcus Green
  • Roteiro: Terence Winter, Frank E. Flowers, Zach Baylin, Reinaldo Marcus Green
  • Elenco: Kingsley Ben-Adir, Lashana Lynch, James Norton, Anthony Welsh, Quan Dajai-Henriques, Nia Ashi, Michael Gandolfini
  • Duração: 101 minutos

Estaria a biografia para a  “cinematografia dramática” assim como está a adaptação de quadrinhos para o blockbuster, em matéria de cansaço e exaustão de títulos? Talvez esse não seja o melhor momento para ser feita essa pergunta, quando a terceira maior bilheteria do ano passado foi justamente uma biografia que passará como um trator pelo Oscar. Mas, tirando Oppenheimer, que pode ser considerado um ‘primo BEM rico’ do gênero, e focando especificamente nas biografias musicais, que até outro dia alcançaram um patamar alto demais com Bohemian Rhapsody, talvez sim estejamos observando uma transição já iniciada. Saímos da zona das esperanças concretas dos projetos, para uma dúvida real a respeito de suas trajetórias, e é por isso que Bob Marley: One Love terá sua estreia em momento tão inusitado, no meio de fevereiro. 

Dirigido pelo mesmo Reinaldo Marcus Green que acabou de dar um Oscar para Will Smith em King Richard, até o anúncio do projeto, suas posteriores filmagens e uma provável empolgação de seu estúdio mediante resultados recentes, Bob Marley: One Love deve ter sido pensado para o mesmo fim. A data de estreia era dezembro… aí I Wanna Dance with Somebody, a bio de Whitney Houston do dezembro anterior, foi um fiasco em todos os sentidos. O que nos leva a crer que, já que as indicações a prêmios não virão mesmo, o melhor a fazer é se preocupar com um período onde, ao menos, as produções retornem em dólares o que não virá de prestigioso. Ao estar de frente ao filme, conseguimos ver que em outros tempo, as tais indicações poderiam vir – elas só seriam injustas e imerecidas, como tantas outras, né Bradley Cooper?

De cinematográfico mesmo, temos uma produção que nos leva para um outro espaço geográfico e esse é o maior mérito do filme de Green. Já que não temos como escapar nos próximos anos de hordas de biografias musicais (tem pelo menos já garantidas e prontas, Amy Winehouse, Michael Jackson e The Supremes), então que ao menos estejamos diante de uma realidade completamente diferente ao que o olho hollywoodiano mostra de reflexo. Ser deslocado para a Jamaica dos anos 70 e acompanhar a relação entre o rastafari enquanto religião e os conflitos civis do período, já nos tira da padronagem habitual dos eleitos biografados. Para esse pensamento, é interessante compreender o tamanho do sucesso que Bob Marley: One Love é capaz de fazer, em tempos onde musicais estrelados por corpos pretos e hispânicos não encontram o mesmo amor que é destinado a narrativas brancas. 

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O que prejudica Bob Marley: One Love, no entanto, é o calcanhar de Aquiles de qualquer biografia, por mais concentrada em determinado recorte temporal que seja. Vemos aqui o autor de Is this Love? e I Shot the Sheriff em apenas dois cruciais anos de sua carreira, o que costuma ser salutar para esses projetos; a essência do biografado estão protegidas, e suas lacunas podem ser melhor curtidas se forem completas pelo espectador. Até aí, esse é o movimento certo a ser feito. O problema é que, ainda assim, o que é passado ao público é insuficiente para que possamos minimamente importar com tais eventos, porque não há uma construção de tensão, ou preparação para um estado de melancolia, ou mesmo uma ideia de urgência para que tais acontecimentos floresçam de maneira natural. São situações jogadas na direção do espectador, que deve seguir assim diante de cada cena. 

Nesse sentido, toda a construção de ideia do que Green pretende, que é normatizar outras vivências pretas que não as que o cinema costuma privilegiar, que seria a da violência e da abreviação de suas narrativas, cai por terra pela falta de contato com seu ambiente natural. Isso estava melhor desenvolvido na biografia que ele capitaneou sobre o pai das tenistas Venus e Serena Williams, elencando a vitória social de uma família que poderia ser mais uma golpeada pelo sistema. Aqui, há a consagração global de um dos maiores astros da música de todos os tempos, e isso deveria ser um ponto de relevância. Que Bob Marley: One Love não passe a mão na cabeça da personalidade de seu protagonista e mostre os casos de machismo e misoginia que ele tentou perpetrar, também é um aspecto positivo. Mas é pouco no contexto mais amplo, onde ficamos à mercê de soluções que as elipses mais fazem mal que bem. 

O casal formado por Kingsley Ben-Adir e Lashana Lynch tem química e talento, já visto em suas muitas incursões cinematográficas anteriores, mas nesse lugar é necessário ir além de performances para garantir uma produção que reverbere seus temas e necessidades. Bob Marley: One Love tem as motivações certas para dizer o que quer, e os encontros do astro com seus líderes rastafaris é dos momentos mais bonitos da produção, mas que não deixa de cair nas mesmas armadilhas preparadas para qualquer retrato biográfico para o cinema. Fugir do que era esperado, como as cenas onde seriam reproduzidas suas apresentações e não cair no que temos visto ultimamente, nesse caso quase se transforma em um novo problema, inclusive. Não é a sensação com a qual saímos do cinema, o amargo pelo resultado, mas no cômputo geral é o gosto que fica na boca, a partir da análise feita.

Um grande momento

Marley e seu mentor no alto da montanha

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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