Versões de um Crime (The Whole Truth) conta a história de Mike Lassiter (Gabriel Basso, de Super 8), um adolescente de 17 anos, acusado de matar o próprio pai, o advogado bem sucedido, Boone Lassiter (Jim Belushi, de Roda Gigante), então casado com a mãe do jovem, Loretta Lassiter (Renée Zellweger, de Judy), que acompanha o processo claramente abalada com a morte do marido e a acusação do próprio filho.
A trama se desenvolve sob a narrativa do advogado, Richard Ramsey (Keanu Reeves, de John Wick), que acompanha a família há vários anos, porque, após trabalhar no escritório de Boone, no início de sua carreira, tornou-se amigo próximo e passou a frequentar as festas dos Lassiter, tendo sido abraçado por Boone, mesmo após ter deixado a carreira de advogado corporativo, para atuar na esfera criminal.
Desde o início de Versões de um Crime, é passada ao público a agonia do defensor que, diante de um cliente que se recusa conversar com ele, contando-lhe a sua ou qualquer versão dos fatos, se vê de mãos atadas para formular uma estratégia de defesa, ao mesmo tempo em que é completamente destroçado pela acusação, que detém todas as provas para a condenação do jovem.
Após a primeira audiência, Ramsey passa a contar com o apoio de Janelle (Gugu Mbatha-Raw, de Nos Bastidores da Fama), filha de um renomado advogado, que seguiu os passos do pai no mundo do Direito e é famosa por seus dons de reconhecer de longe quando alguém está mentindo e sobre o que, especificamente, a pessoa mentiu.
Diante do silêncio do cliente, os advogados Richard e Janelle se apegam à estratégia denominada de “dopado nas cordas”, fazendo analogia à luta de Muhammad Ali contra George Foreman, em 1974, onde Ali, 7 anos mais velho que Foreman, ficou parado, apanhando por sete rounds seguidos e, quando todos pensavam que ele não conseguiria mais lutar, ao ver o cansaço de seu adversário, ganhou a luta, surpreendendo todos os espectadores.
A estratégia dos advogados, retratada no filme, foi a de deixar, portanto, a acusação apresentar todas as suas provas, chamar para depor todas as testemunhas, até que, enfim, pudessem fazer surgir uma dúvida sobre a credibilidade do que havia sido apresentado pela acusação, porém, tudo parece mudar drasticamente quando o jovem réu decide depor, ameaçando Richard de demiti-lo, caso ele não o arrole para ser ouvido.
O jovem traz uma versão ainda mais chocante e forte dos fatos, evidenciando uma realidade de que ninguém, nem mesmo sua mãe, tinha consciência, e, rapidamente, a imagem do rapaz deixou de ser atrelada ao banco dos réus e ele passou a ser considerado uma vítima, o que a acusação mais temia que acontecesse.
Ao longo do desenvolvimento da trama, conforme surgem relatos e são mostradas cenas da vida da vítima – em especial, de sua vida particular com sua esposa -, o público passa a ter noção de que a realidade ao redor do crime cometido é muito mais complexa do que um simples homicídio doloso causado por pura rebeldia adolescente de um filho.
Versões de um Crime traz à tona duas máximas que são muito repetidas no mundo do direito: a primeira é a de que ninguém deve ser considerado culpado, até que se prove o contrário; e a segunda é a de que toda história tem três versões: a minha, a sua, e a verdade.
No desenvolvimento do complexo enredo, verifica-se que, por mais que a acusação detivesse em seu favor todas as provas do crime para condenar o réu: a confissão do jovem e o depoimento da mãe dizendo que ele disse “eu fiz isso”, somados à faca do crime com as digitais do rapaz, a versão defensiva passa a ganhar cada vez mais valor, isso porque, para além dos simples elementos probatórios, uma condenação deve sempre questionar quem, quando, como e porquê.
Versões de Um Crime é um filme que retrata parcialmente como é a realidade do direito penal, demonstrando que nada é tão simples quando se trata de condenar e definir a vida de alguém, afinal, se as particularidades do caso demonstram que havia um justo motivo, uma ameaça iminente, ou até que afastam a autoria e a materialidade, é impossível se falar em condenação.
É exatamente por isso que, mesmo diante de um caso onde tudo parece apontar para um único suspeito, a sentença final pode ser pela absolvição do indivíduo. Exemplifico: em um caso onde um homem é encontrado baleado no peito, e um outro, com porte de arma, assume ter efetuado o disparo, ainda que haja a prova da autoria (o autor do crime confessou) e da materialidade (sabe-se que a arma foi utilizada para ceifar a vida da vítima, bem como que o disparo foi a causa da morte), ainda assim, pode haver a absolvição, caso, por exemplo, reste comprovado que a vítima possuía uma arma branca e atacou, colocando o outro em risco, e não lhe deixando outra opção, que não a de utilizar a arma que detinha em sua disposição, de modo moderado, para afastar o agente.
No exemplo dado, fica óbvio que o motivo daquele que atirou era justo e, portanto, sua condenação seria uma medida injusta, logo, sua conduta estaria devidamente amparada pela exclusão de ilicitude, descrita nos arts. 23, inciso II e art. 25, ambos do Código Penal, e sua absolvição seria a medida cabível.
As particularidades do caso devem ser sempre analisadas pelo operador de Direito, mormente no Direito Penal e é por essa razão que se repete que existem três versões do fato: a da vítima, a do réu, e a verdadeira, afinal, a vítima pode aumentar os fatos, não por maldade, mas por ter uma memória distorcida da realidade, movida pelo medo; o réu pode apresentar uma versão falsa ou distorcida dos fatos, para garantir sua absolvição; o promotor de justiça, se fundando nas provas angariadas durante o inquérito e durante o processo, pede pela absolvição ou condenação; e, por fim, o juiz deve analisar todas essas versões antes de definir a sentença sobre aquele caso específico.
No decorrer das mudanças do enredo do longa, ao público é apresentada uma versão nova dos fatos, fazendo lembrar do que pode acontecer em um julgamento comum, que nos faz, ao longo de Versões de um Crime, pensar e repensar se iríamos ser favoráveis ou contra a condenação do réu, afinal, cada particularidade do caso importa.
Assim, o diretor brinca com a mania de “juízes” que temos ao assistir a um filme, ou ao nos depararmos com qualquer notícia de andamento processual na mídia, apresentando inúmeras versões do fato para, somente ao final, deixar evidente o que de fato aconteceu na tarde do assassinato de Boone, e, de quebra, passar a mensagem de que ninguém deve ser considerado culpado até que se prove o contrário e de que, de fato, são inúmeras as versões de um fato.
(The Whole Truth, EUA, 2016, 93 min.)
Suspense | Direção: Courtney Hunt | Roteiro: Nicholas Kazan
Elenco: Keanu Reeves, Renée Zellweger, Gugu Mbatha-Raw, Gabriel Basso, Jim Belushi, Jim Klock, Ritchie Montgomery, Christopher Berry