Críticas

Judy: Muito Além do Arco-Íris

(Judy, GBR, 2019)
Drama
Direção: Rupert Goold
Elenco: Renée Zellweger, Jessie Buckley, Finn Wittrock, Rufus Sewell, Michael Gambon, Richard Cordery, Royce Pierreson, Darci Shaw, Andy Nyman, Daniel Cerqueira, Bella Ramsey, Lewin Lloyd
Roteiro: Peter Quilter (peça), Tom Edge
Duração: 118 min.
Nota: 5 ★★★★★☆☆☆☆☆

Cinebiografias são tão difíceis e por vezes tão desnecessárias… Hollywood tem verdadeira loucura por elas assim como o público, que torce para ver o ator preferido interpretando aquela estrela que tanto ama ou para descobrir a história por trás de tal personalidade. Porém poucas vezes os filmes trazem uma perspectiva interessante sobre o biografado. Para ficar em três exemplos recentes, temos o sofrível Bohemian Rhapsody, o interessante Rocketman e esse honesto Judy: Muito Além do Arco Íris. Dirigido por Rupert Goold e com roteiro de Tom Edge, inspirado na peça “End of the Rainbow”, escrita por Peter Quilter, traz de volta aos holofotes Renée Zellweger como a personagem-título.

Todo mundo gosta de uma boa volta por cima e a atriz, que ficou mais de 15 anos sem ter um grande papel ou visibilidade, achou uma plataforma importante para recomeçar sua carreira, num projeto que muito possivelmente a coroará com o Oscar no próximo domingo. Este será o segundo dela, premiada por Cold Mountain como atriz coadjuvante em 2003, e agora com tudo para ganhar na categoria principal. E seria merecido? Não totalmente, mas também distante de configurar uma injustiça.

Entre perucas, figurinos e gestuais, ela emula algo como uma atriz famosa em decadência interpretando Judy Garland em seu último ato. É quase um filme metalinguístico nesse sentido, e não porque Renée se aproxima de uma caricatura da amada intérprete de Dorothy Gale, mas, sim, por talvez não conseguir se desvencilhar de si para mergulhar na persona turbulenta da biografada.

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Feito de alguns momentos memoráveis, como o encontro com fãs fervorosos que revelam como Judy serviu de bálsamo perante uma sociedade que os odeia simplesmente por sua orientação sexual – e estão eles também desempenhando um papel importante no bonito desfecho do filme –, o aconchego com os filhos no armário quando na iminência de perder a guarda, ou o diálogo com o namorado tornado marido sobre a vontade de ter uma casa e sossego, o filme vai se sustentando nas dores de Renée/Judy. E ela canta, mostra como tem predicados vocais e traz uma interpretação bonita,mas nunca impecável de “By Myself”, “Trolley Song” e “Somewhere over the rainbow”. Mas é pouco para ser um grande filme ou mesmo representar uma atuação inesquecível (estamos olhando para você, Marion em Piaf).

Em resumo, Renée judia um pouco do público com sua caracterização boa, porém bem aquém da de Judy Davis, por exemplo, no filme para TV A Vida com Judy Garland: Eu e Minhas Sombras, papel pelo qual a atriz australiana ganhou um Emmy. Os tiques faciais da norte-americana como o biquinho excessivo, são por vezes irritantes e a expressão corporal não lembra Judy Garland, que por ser ligeiramente corcunda caminhava de maneira peculiar. O timbre é o de Renée, não há um tentativa de mimetizar a maneira da protagonista de Nasce uma Estrela falar.

E sim, é realmente desafiador interpretar uma figura pública que está tão presente na memória das pessoas, mas se o ator busca trazer algo de si ou uma possibilidade de caracterização invés de tentar replicar a pessoa biografada, as possibilidades de êxito talvez sejam ligeiramente maiores. Em um filme horrendo – o que está longe de ser o caso desse Judy – Rami Malek conseguiu imprimir uma interpretação forte de Freddie Mercury. Certamente, ele tinha claro que jamais conseguiria reproduzir a persona do cantor britânico, mas buscou uma interpretação menos próxima da caricatura (mesmo com aquela dentadura um pouco esquisita) que realmente convence e emociona.

Renée/Judy passeia boa parte do filme por uma Londres (a recriação de época é excelente) ávida por ouvi-la e aplaudi-la sendo que América deu de costas há um bom tempo. E entre tropeços no palco, excesso de álcool e covardia ou mesmo desesperança por não saber se seria capaz de se apresentar à altura, elas fazem as pazes consigo.

Se a atriz não consegue inspirar ou empolgar com sua Judy crepuscular, o ritmo do filme nos leva exatamente aonde achamos que irá levar, sem grandes surpresas ou gracejos pela estrada de tijolos amarelos, o que é uma pena.

Liza Minnelli não deu a benção a Renée e nem se interessou por esse filme, apesar de ter dado o seu sinal verde para a produção da peça de Quilter na Broadway. Mesmo sem ser abençoado, Judy: Muitos Além do Jardim traz luz sobre a trajetória de uma figura fundamental para Hollywood, a maior estrela da MGM, a menina perdida de Mágico de Oz, que cresceu para se tornar uma adulta cheia de vícios, mas também de amor pelo seu público e seus filhos.

É como o Homem de Lata dizia: “um coração não se julga por quanto você ama, mas por quanto você é amado pelos outros” – e não à toa essa citação encerra o filme de Rupert Goold, que revisita o apagamento de uma das estrelas mais brilhantes no firmamento hollywoodiano, agindo como uma supernova na carreira de outra.

Um Grande Momento:
Ao piano, confortando o fiel.

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Lorenna Montenegro

Lorenna Montenegro é crítica de cinema, roteirista, jornalista cultural e produtora de conteúdo. É uma Elvira, o Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema e membro da Associação de Críticos de Cinema do Pará (ACCPA). Cursou Produção Audiovisual e ministra oficinas e cursos sobre crítica, história e estética do cinema.
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