Críticas

Doce Entardecer na Toscana

(Dolce fine giornata, POL, 2019)
Drama
Direção: Jacek Borcuch
Elenco: Krystyna Janda, Kasia Smutniak, Antonio Catania, Lorenzo de Moor, Vincent Riotta, Robin Renucci, Mila Borcuch, Arjun Talwar, Wiktor Benicki
Roteiro: Jacek Borcuch, Marcin Cecko, Szczepan Twardoch
Duração: 92min.
Nota: 7 ★★★★★★★☆☆☆

Doce Entardecer na Toscana

A cultura do ‘cancelamento’, esse movimento onde figuras públicas são monitoradas ininterruptamente pelo tribunal da Internet, sob o risco de ver sua credibilidade ser incinerada a partir de um passo considerado em falso, tem no longa de Jacek Borcuch (Tudo que eu Amo) um primeiro e sutil olhar cinematográfico. De cadência suave e observando inúmeros prismas do princípio do crepúsculo da vida de uma escritora consagrada, o longa segue um ritmo naturalista para abordar alguns temas pertinentes do hoje.

Por tratar de temáticas espinhosas com resultados especificamente subjetivos, o diretor enclausura sua protagonista na escuridão da noite para adentrar sua ambiguidade. Pouco vemos o rosto ou os olhos de Maria Linde, porque o diretor trata de personalizar as idiossincrasias de sua personagem filmando-a de costas, de longe, à meia-luz ou apenas ouvindo sua voz. Assim sendo, protege sua personalidade da exposição devassada que acontecerá em determinado ponto da narrativa.

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Doce Entardecer na Toscana (2019)

A partir de um momento frontal discursivo, onde uma irônica franqueza desnudada deflagra um novo momento na estrutura dramática, o filme quebra seu estudo de personagem para uma análise fílmica e extra-fílmica de uma declaração inapropriada. Percebemos então que era em cima da demarcação desse conflito que o filme estaria elaborando seu código moral – para o debate. Paralelo a essa espinha dorsal, Doce Entardecer na Toscana com igual delicadeza fala do imigrante a partir dos olhos do outro, sem fornecer material de ação para o quadro geral.

O efeito dominó a essa atitude é o que observamos hoje na sociedade, mas do buraco da fechadura pra dentro. Desestabilizando a narrativa a partir de seu núcleo, o filme notabiliza a expressiva fotografia de Michal Dymek (My Friend the Polish Girl) de uma proteção que a noite ampliaria à protagonista, como a bela cena onde ela e sua filha caminham pra casa em meio ao breu, que não esconde uma pergunta-chave. Com os esqueletos que tem no armário, a escolha de Maria por se declarar e assumir os riscos das palavras é um ato de honestidade que não passa com perdão na atualidade.

Doce Entardecer na Toscana (2019)

O filme deixa de explorar a temática da imigração com mais afinco, mas elabora uma breve e explícita situação a partir do envolvimento romântico entre Maria e o dono de um restaurante egípcio. Como toda a produção, as lacunas aqui examinam as possibilidades prévias de criminalizar a priori qualquer estrangeiro – seja por qual crime que for.

Arrojado esteticamente e instigante narrativamente, Doce Entardecer na Toscana não tem medo da provocação e caminha por um terreno não-confortável em ritmo, pois esconde em sua gênese a ambição de não revelar previamente seu jogo. Da leveza inicial até a densa camada contemporânea que arranca seus personagens de um idílio italiano, Borcuch não deixa de realizar cinema em meio à saudável discussão a respeito de apedrejamento virtual. Krystyna Janda (Não Matarás) instrumentaliza em seu trabalho um universo de camadas críveis a essa multifacetada mulher do nosso tempo, carregando de possibilidades um ser humano acima do star power.

Um Grande Momento:
O adeus após o incêndio.

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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