Crítica | Streaming e VoD

Ehrengard: A Ninfa do Lago

Um autor do alheio

( Ehrengard: Forførelsens kunst, DIN, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia romântica
  • Direção: Bille August
  • Roteiro: Anders Frithiof August
  • Elenco: Mikkel Boe Følsgaard, Sidse Babett Knudsen, Alice Bier Zanden, Emilie Kroyer Koppel, Emil Aron Dorph, Sara-Marie Maltha, Jacob Lohmann
  • Duração: 90 minutos

Bille August é um diretor dinamarquês que, hoje, praticamente ninguém mais coloca seu nome em discussão. Praticamente relegado a festivais menores, exibições fora de concurso para títulos pouco apreciados, a geração mais jovem não deve ter muita lembrança da era de ouro de seu cinema. August é um dos raros diretores a ter duas Palmas de Ouro no currículo, e o fez em esquema parecido com Michael Haneke, em espaço de 4 anos – Pelle, O Conquistador e As Melhores Intenções. Considerado um exagero assim que o mesmo aconteceu, talvez por isso sua carreira tenha tão rapidamente se transformado em pálida lembrança do que esse feito prometeria. Prestes a completar 75 anos, August lança através da Netflix Ehrengard: A Ninfa do Lago, nova versão de um livro de Karen Blixen que tem absolutamente tudo a ver com o clássico de Choderlos de Laclos, Ligações Perigosas

O estranhamento inicial no filme não é exatamente a constatação de que a carreira de August não está tão morta quanto gostariam de declarar seus detratores, mas o quanto a própria Netflix investiu em seu novo filme. Ehrengard: A Ninfa do Lago em quase nada lembra que estamos diante de uma produção para o streaming, que geralmente tem suas restrições quanto ao excesso de opulência em suas produções – a não ser em casos muito específicos, do qual temos notícia com muita antecedência. Títulos como o remake de Rebecca, por exemplo, deixaram claro que a ideia é parecer grande, mesmo sendo pequeno; muitas vezes, esse “parecer” não chega a colar. Aqui acontece o oposto, os olhos não conseguem se acostumar com o tratamento acima da média, e isso passa a ser um valor da produção per se, que se estende ao geral. 

Ao investigar seus predicados, fica claro como as intenções de Ehrengard: A Ninfa do Lago são mais modestas. Sua ostentação estética não tenta esconder de que se trata de uma comédia romântica muito leve, que tenta o maior alcance possível com seus jogos de sedução, suas intrigas de castelo e em como mesmo uma escritora reconhecida como Blixen foi entusiasmada pela literatura de Laclos. A aposta inicial, o apostador acabar se apaixonando pelo seu alvo, o duelo de armas, a figura central de uma grande manipuladora social que é apaixonada por quem desafia, estão todos os mesmos elementos em cena. Particularmente, isso não é um problema, porque Ligações Perigosas já teve incontáveis versões (inclusive uma excelente brasileira, com Selton Mello e Marjorie Estiano) e sua premissa nunca envelhece ou entendia; trata-se de uma narrativa que sempre fascina. 

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A diferença é que, essa abordagem dessa premissa clássica, aqui, está pela primeira vez sendo abordada com leveza. Mesmo quando teve a intenção de focar sua adaptação na adolescência moderna (Segundas Intenções), o olhar foi denso e ligeiramente trágico. O que se conta em Ehrengard: A Ninfa do Lago é uma variação desse plot em algo acessível para censura branda, incluindo cenas de sexo verdadeiramente engraçadas, sem peso. Isso transforma a experiência em um projeto híbrido, onde direção de arte e figurino ostentam todo o valor de uma produção vultosa (além do acerto de repetir as vestimentas dos personagens, ideia muito bem desenvolvida), e a atmosfera é recheada quase com a inocência que nos transporta para outro tempo, de menor violência nas relações humanas. 

Com um bom elenco, acima da média até eu diria, com um ator premiado como Mikkel Boe Følsgaard (de O Amante da Rainha) comandando o elenco, é o trabalho que intercala sutileza e frescor de Sidse Babett Knudsen que salta da tela. A atriz de A Corte e Vestido Maldito realiza um trabalho minucioso de recriação dessa personagem, que nada mais é do que a eterna Marquesa Isabelle de Merteuil. O lugar para onde ela descortina suas tensões, o modo como ela estrutura seu campo de ação, que mais realça Ehrengard: A Ninfa do Lago, um filme que poderia estar em lugar ainda mais suave. Quem eleva o material a um grau de sofisticação impensado é a essa atriz que ainda não tem o alcance que merecia, mas sua entrega aqui fala ainda mais sobre sua disposição do que do filme em si. 

Quanto ao talento de seu autor, August continua aqui tão evidente quanto há 35 anos atrás, no ato de sua primeira consagração. No longa protagonizado por Max Von Sydow, já tínhamos um realizador capaz de servir ao que sua narrativa pedia; naquele caso, um grau de comprometimento emocional que tornou Pelle um filme marcante. Aqui em Ehrengard: A Ninfa do Lago, mais uma vez ele entende que seu lugar, muito mais do que evidenciar as próprias qualidades, é servir com base para o talento alheio, e realçá-lo. August percebe o que tem de mais potencialmente sedutor no seu filme, e eleva esse aspecto. Parece pouco, e talvez por isso sua carreira tenha parado naquelas duas Palmas, mas mostra que seus valores ainda conseguem ajudar uma produção. 

Um grande momento

A interação inicial entre Cazotte e a Duquesa

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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2 Comentários
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Rosana
Rosana
15/11/2023 14:58

Adorei esse filme. Divertido, elenco ótimo, cenário esplendoroso.
E depois vi sobre os bastidores. Extremamente interessante como é concebido um filme.
Realmente delicioso.

Bren
Bren
17/09/2023 07:56

Ao falar de Sidse Babett e menciona Vestido Maldito como seu trabalho?Invés de mencionar Borgen, ganhadora Cesar ( Oscar Europeu) em a Corte, 150 miligramas. Conheça o trabalho da atriz primeiro, ser lembrada de Vestido Maldito é de doer.Elenco de peso.

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