(Elefante blanco, ARG, 2012)
Direção: Pablo Trapero
Elenco: Ricardo Darín, Jérémie Renier, Martina Gusman, Miguel Arancibia, Federico Barga, Esteban Díaz, Pablo Gatti, Walter Jacob, Raul Ramos, Susana Varela, Julio Zarza
Roteiro: Alejandro Fadel, Martín Mauregui, Santiago Mitre, Pablo Trapero
Duração: 110 min.
Nota: 7
Hermanos. É assim que nos referimos ao povo do país que está ao sul do Brasil. Rivais de futebol e aliados em guerras passadas, notamos as diferenças, mas há tanto em comum, tanta similaridade e identificação, que é impossível não reconhecer o parentesco.
Com passagens históricas tão traumatizantes quanto as daqui e problemas políticos equivalentes, a proximidade territorial acaba sendo o menos significativo para a identificação. Que é imediata quando, por exemplo, ouvimos Bersuit Vergarabat cantando aquela canção do Cazuza que enumera as mazelas do nosso povo enquanto constata que o tempo não pára e nos surpreendemos ao ouvir na letra, quase gritada pelo público, um “y así nos hacemos argentinos” (pois assim nos tornamos argentinos); ou quando assistimos à Elefante Branco, novo filme do cineasta Pablo Trapero.
O filme começa com uma analogia com entre os problemas sociais e o câncer, aquela doença que nem sempre responde aos tratamentos e vai tomando conta do corpo. Da sessão de radioterapia do padre Julián, segue para algum local da Amazônia, onde um outro padre assiste a uma chacina impossibilitado de fazer alguma coisa. Mais tarde Julián vai resgatar o amigo, o padre belga Nicolás, e o traz à comunidade onde vive, na Buenos Aires discrepante que, ao som de Los Intoxicados, é revelada por um travelling rápido até a periferia e dá lugar aos detalhes da vida na Vila 31, a maior favela da cidade e onde o público passará os próximos 90 minutos.
É a vida à margem, da qual pouco se sabe. Abandonada à própria sorte e sem infraestrura, o único censo do local é feito por aproximação, considerando-se dados de batizados realizados na paróquia do local. O elefante branco do título é a ruína de um prédio em construção. A obra iniciada no governo Perón seria um hospital, mas se transformou em esconderijo dos usuários de crack e uma espécie de centro dessa comunidade que cresceu e ainda cresce contornando-o.
As mazelas vistas na tela são comuns no cinema brasileiro, um quase especialista em cinema-favela, e não demoram a ser identificadas pelo público daqui. O idioma é espanhol e não português, mas pobreza, abandono social, descaso com a saúde, violência urbana, tráfico de drogas e corrupção estão ali exatamente do mesmo modo que estão por aqui.
Declarada homenagem ao padre Carlos Mugica, sacerdote de uma outra comunidade argentina, a Villa do Retiro, assassinado em 1974 possivelmente pela organização de extrema direita Triplo A (Aliança Anticomunista Argentina), o filme exalta essa parte social da igreja católica, mas sem deixar de criticá-la, passando pela dedicação dos párocos locais, que abdicaram de suas vidas para fazer algo por aquele povo, e pela ganância da cúpula, que está mais preocupada em beatificações e retenções de verbas.
Entre vários acontecimentos, muito bem costurados, vão percebendo-se pequenos detalhes que determinam um todo. Entre as histórias individuais do trio de protagonistas, que são secundárias perante a mensagem que deseja transmitir, estão presentes o pouco esclarecimento que faz o povo achar que a assistente social é o governo; o repasse de fundos que nunca é feito; a promessa de moradia e de uma situação digna não cumprida; as crianças que se perdem no uso de drogas; a disputa por território de traficantes e a manifestação de pessoas que não aguentam mais o descaso.
Mesclando cenas contemplativas e de ação e preciso no ritmo, Trapero consegue, com a ajuda da fotografia de Guillermo Nieto e da montagem assinada a seis mãos pelo diretor e por Andrés P. Estrada e Nacho Ruiz, despertar sentimentos diversos no espectador e criar um vínculo que dificilmente se quebrará antes dos créditos finais. A opção por planos longos tanto dá espaço quanto se aproveita das boas atuações de Ricardo Darín, Jérémie Renier e Martina Gusman. Há uma cena específica, o plano-sequência de Nicolás buscando o corpo do sobrinho de Sandoval, que demonstra bem a habilidade do realizador argentino em usar imagens para manipular sentimentos.
Mesmo com todas as muitas qualidades e essa identificação imediata, o filme tem alguns tropeços incômodos, como a trilha sonora do inglês Michael Nyman, que é linda mas não sabe ser sutil, e um final deslocado e prolongado além da necessidade. Sem falar na grave contrariedade, nos momentos finais, à doutrina de não-violência pregada tanto pelos protagonistas quanto pelo padre homenageado.
Mas nada que diminua a força de sua triste mensagem. Infelizmente, o elefante branco não é apenas a ruína de um prédio em construção. O grande trambolho incômodo que o governo prefere fingir que está mantendo e do qual não consegue se livrar é, na verdade, o seu povo. E nisso também Argentina e Brasil não poderiam ser mais parecidos.
Um Grande Momento
Buscando o sobrinho de Sandoval.
Links
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=upeqO7aIZ2I[/youtube]