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Holy Motors

(Holy Motors, FRA/ALE, 2012)

Drama
Direção: Leos Carax
Elenco: Denis Lavant, Edith Scob, Eva Mendes, Kylie Minogue, Elise Lhomeau, Jeanne Disson, Michel Piccoli, Leos Carax, Nastya Golubeva Carax, Reda Oumouzoune
Roteiro: Leos Carax
Duração: 115 min.
Nota: 10 ★★★★★★★★★★

Surreal, circular, aberto e indefinido, Holy Motors é um daqueles filmes que provoca reações e interpretações diversas. Em sua construção complexa e contando com a fantástica interpretação de Denis Lavant, intriga o público logo nos primeiros minutos, metalinguísticos e esteticamente perfeitos, e não deixa de fazê-lo por nem um instante sequer. Nem mesmo com os créditos finais que chegam com algumas dicas, mas sem fazer questão de muitos esclarecimentos e subjetivam ao máximo a experiência.

Esta grande ópera sobre o fim da arte no cinema acontece em um dia na vida de Oscar. Em sua limusine branca, acompanhado de sua motorista Céline, vê-se a transformação deste homem em vários outros, com interesses e realidades bem diversas. O banqueiro que fala sobre ações e armas, a mendiga, o modelo de captação gráfica, uma mistura ensandecida de Leprechaun e Cluricaun, o pai da filha antissocial, o gângster, o assassino, o moribundo ou o ex-amante. Entre uma personalidade e outra, dentro da limusine que não para nunca, seu camarim, Oscar se prepara para o próximo compromisso. Como a personificação das muitas máscaras e posturas assumidas no dia a dia por pessoas comuns e, como ofício, por aqueles que atuam.

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Essa interpretação da interpretação nunca está restrita e pode ser percebida no roteiro de Carax. Lavant interpreta Oscar que interpreta outros e que interage com pessoas que provavelmente também estejam atuando, não se sabe. Ainda que o diretor e roteirista seja bem preciso ao demonstrar que está falando de sua arte, essa mistura de vida com ficção segue aquilo que o público tem vontade de ver, a história que ele quer que seja contada. E é aí que reside a genialidade da obra.

A precisão citada vem de uma cena específica, ponto-chave de todo o filme, quando Oscar, depois de uma passagem tão tensa quanto confusa, conversa com seu empregador em um de seus momentos de preparação na limusine. Este elogia o trabalho, mas questiona se seu funcionário ainda gosta do que faz. Oscar comenta então do que sente falta do passado e lamenta a mudança dos tempos que causa o distanciamento, a falta de crença e a perda da beleza de seu ofício. Enquanto um diz que beleza está nos olhos de quem vê, o outro responde com uma pergunta: “e se não tiver mais quem olhe?”

Os poucos minutos de silêncio e a vista da noite parisiense permitem uma volta rápida à memória recente de cada uma das histórias passadas com essa nova percepção. Fazem sentido o público apático da primeira cena e uma espécie única de vida que só acontece nos corredores da sala de projeção; diálogos técnicos e insignificantes; o momento da captação que transforma o que é naturalmente bonito em algo não tão belo assim; a beleza vazia; a simplificação de relações humanas; a violência, entre outros. Mas não existe uma solução, assim como não se está preparado para o que vem a seguir, passando por uma despedida, um reencontro e chegando, então, ao final da jornada do ator, em sua casa, ao som da significativa ‘Revivre’, de Gérard Manset.

Completando a metáfora do cinema, seguindo um caminho inverso, se o começo foi na sala de projeção, o final lembra os bastidores. Quando Céline, aquela que guia, guarda a sua máquina gigante e obsoleta e segue caminho com a mesma máscara que sua interprete, Edith Scob, usara há mais de 50 anos em Os Olhos Sem Rosto, de Georges Franju. “Estou voltando para casa”, ela diz. E ficam para trás as limusines. Elas têm consciência plena do que está acontecendo com o mundo, que preferia que elas não existissem mais.

Visualmente perfeito e com uma organicidade ímpar, Holy Motors fala sobre modernidade, vida e criação da melhor maneira que uma obra de arte poderia fazer. Sem tentar guiar, manipular e invadir o espaço que não lhe pertence, mas perturbando e provocando sempre.  Vale a pena se perder nesse caminho.

Um Grande Momento

Entreato.

Links

IMDb Site Oficial [youtube]http://www.youtube.com/watch?v=dVRBesM45TY[/youtube]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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