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Fernanda Young: Foge-me ao Controle

Suco de Young

(Fernanda Young: Foge-me ao Controle , BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Susanna Lira
  • Roteiro: Bruno Passeri, Beto Passeri, Clara Eyer, Ítalo Rocha
  • Duração: 84 minutos

Não existe maneira melhor ou pior para fazer um filme, um jeito certo ou um errado. O que existe é a compreensão adequada ao que cada projeto pede. Por exemplo, um filme que tente seguir os passos de Fernanda Young, a jovem escritora surgida no fim dos anos 90 e que se tornou um fenômeno em todos os lugares onde se atreveu estar. Quem viveu o tempo de Young, e a admirou de alguma forma, conheceu uma fração de sua personalidade e o estado de exuberante caos formal que formava seu intelecto. Com (nenhum) respeito às cabeças falantes, não existia qualquer chance de um filme tradicional ser feito a seu respeito onde o formalismo fosse incluso, e isso a representasse. Com Fernanda Young: Foge-me ao Controle, um vislumbre de sua personagem está intacto ali. 

Então não há uma cartilha pré-concebida para encaixar o novo filme dirigido por Susanna Lira porque não existia um vocabulário que definisse Young. A princípio escritora, tornou-se roteirista, apresentadora, atriz, modelo, cronista e tudo mais para o qual fosse chamada, e ela visse a chance de ser ela mesma – mas essencialmente era como escritora que ela se definiu. Nunca houve um lugar-modelo que coubesse o que Young fazia, e isso foi o que a tornou tão múltipla, e ao mesmo tempo única, sem fôrma ou forma. Sempre se expôs, desde ‘Vergonha dos Pés’, seu primeiro romance, todas as coisas eram autobiográficas, assumidamente. É justo então que Fernanda Young: Foge-me ao Controle seja, antes de tudo, um retrato sobre quem era a esfinge. 

Lira não tenta domar o que partiu indomável, e com isso assume muitos riscos. Junto a Inutensílios, Fernanda Young: Foge-me ao Controle é o mais inusitado e inesperado dos filmes da competição do É Tudo Verdade 2024. E isso funciona como uma espécie de elixir para sua diretora, que não vê qualquer problema em abrir mão de um formato padrão. Seu olhar busca sorver de Young tudo o que ele pode servir, e embarcar em um jorro intelectual que cubra suas palavras, sua imagem, sua voz, suas impressões e inspirações. Na ânsia em não ter regras pré-concebidas, o filme transforma-se num ensaio emocional narrado pela protagonista e por Maria Ribeiro, onde Ítalo Rocha tem a insana tarefa de encontrar, ao lado da diretora, um caminho (in)seguro para guiar o olhar. O resultado não pretende olhar um aspecto lógico, e sim passear por dentro de Young. 

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Sem que anteriormente pudéssemos perceber, Lira vê a liberdade que sua protagonista deu e vendeu no sopro de inventividade do Primeiro Cinema, mas não qualquer um. Existe uma procura por encontrar, por exemplo, Germaine Dulac e Maya Deren no misto de inspirações e precursoras ao ímpeto de Young, uma artista tão multifacetada que só uma classificação não poderia costurar seus feitos. De muitas formas, Fernanda Young: Foge-me ao Controle poderia ser apenas um retrato 3D de uma das mulheres artistas mais à frente do tempo e do pensamento comum das últimas décadas, mas Lira (ainda bem) não se conteve. Forneceu ao espectador, então, não um documentário biográfico, e sim uma historiografia vibrante acerca de uma figura fundamental na cultura dos últimos 20 anos, tornando sua História trampolim para a criação de muitas artes, incluindo o cinema, e muitas discussões, todas motivadas por sua ampla exposição, de suas dores e amores. 

Fernanda Young: Foge-me ao Controle não precisou tremular bandeira para conversar de maneira madura sobre tudo o que sua personagem melhor versou, a batalha por uma feminilidade sem amarras. Dentro de suas obras (de Os Normais a Shippados), ela esteve na perseguição de manter o feminino honesto e precioso em sua ebulição irrefreável, com personagens que eram, como se diz, ‘puro suco de Young’. Vemos imagens de suas obras também, no audiovisual ou apenas no visual, que a autora explorou da melhor forma possível. Todas as suas escolhas foram pautadas por uma busca incessante não de negar a criança e adolescente que sofreu (inclusive consigo mesma), mas de ver que nenhuma de suas muitas subdivisões de personas precisou anular outra. Sua multiplicidade é que a fez tão exemplar, como o filme elenca sem precisar de marcação tradicional, indo de um imaginário a outro.

Young não era pretensiosa – apesar de sim, entender que iria além – e sim ambiciosa, mas ao mesmo tempo nunca conseguiu esconder o quão comum era, o quão popular era sua intelectualidade, então Lira elenca o fluxo de pensamento ininterrupto dessa mulher que nos deixou cedo demais, em 2019. Fernanda Young: Foge-me ao Controle nos escapa por entre os dedos caso queiramos aprisionar suas possibilidades. Tal qual sua personagem, o filme é um jorro inesgotável de cores, cortes e falas, arriscado e sincero, absurdamente parecido com a mesma. O mais maduro e ousado filme de uma carreira de quantidade imensa, que aqui aponta um radicalismo de conexão que até então ainda não tinha sido apresentado. Um sopro de invenção em uma área em plena expansão de discurso, o cinema documental, mas que mesmo no Brasil não encontra eco. 

Um grande momento

‘What it Feels Like for a Girl’

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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