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Noites de Paris

Mudança de rumo

(Les passagers de la nuit, FRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Mikhaël Hers
  • Roteiro: Mikhaël Hers, Maud Ameline, Mariette Desért
  • Elenco: Charlotte Gainsbourg, Quito Rayon Richter, Noée Abita, Megan Northam, Thibault Vinçon, Laurent Poitrenaux, Emmanuelle Béart
  • Duração: 110 minutos

Uma cena em um parque, quase no fim da projeção, e avistamos Amanda, sentada com outra menina. Já não é mais a mesma pequena atriz de Amanda, agora Isaure Multrier cresceu e é uma adolescente, mas o rosto permanece intacto na memória. Não foi à toa que Mikhaël Hers convocou a volta da protagonista de seu filme anterior para ocupar espaço em Noites de Paris, seu novo filme que estreia hoje. Os dois filmes falam sobre a cura do tempo, uma cura invisível para um tempo igualmente invisível, mas que está absoluto ao redor de tudo, fazendo a vida ser mais clara. A passagem dos anos e a forma como lidamos com a dor que os atravessa, é um bom ponto de partida para qualquer produção, mas Hers se mostra mais uma vez eficiente com o manejo de tais eventos. 

Esse é o sétimo filme de Hers, e apenas o segundo a chegar no Brasil; tendo visto apenas três deles, faz-se urgente uma pequena homenagem ao jovem cineasta, trazendo essa ainda curta filmografia inteira para o público. Essa necessidade é premente por conta do que o cineasta francês vem entregando de obra para o espectador. Seguindo uma tradição que remete a monstros como Eric Rohmer (não à toa, homenageado aqui), o diretor filma os danos pessoais que são amortizados pelo tempo, transformando-se em múltiplas coisas. Mais do que a temática que une suas obras recentes, o que conta nessa filmografia é a velocidade com que o naturalismo se conserva em cena, para investigar a força avassaladora do tempo. 

Noites de Paris (2022)
Divulgação

Se em Amanda uma tragédia era utilizada para quebrar a atmosfera e motivar um gatilho, aqui em Noites de Paris o que é excepcional acontece igualmente no extra campo, tão extra que é prévio ao filme. A separação da protagonista a leva rumo a uma forçada mudança de perspectiva, se reencontrar e se renovar, ainda que obrigatoriamente. Mãe de filhos saindo da adolescência, Elisabeth encontra emprego em uma rádio como atendente telefônica de um programa da madrugada. Era 1984 e o que ela fazia não só era um emprego, como uma fonte de conhecer novas pessoas. Assim ela conhece Talulah, que irá mudar a vida de toda a nova família. Com tal simplicidade, o filme investiga seus personagens sem julgamento, apenas com a experiência necessária para encontrar seus defeitos e qualidades. 

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O foco está inteiro na personagem de Charlotte Gainsbourg, a musa de Lars Von Trier em Anticristo, Melancolia e Ninfomaníaca. Elisabeth é uma mulher que aprende a encontrar o tempo passado apenas na memória, e não mais na fisicalidade. De início muito chorosa quase no registro do irritante, a personagem já deveria ser amadurecida há alguns anos, mas isso parece só acontecer quando se separa, consegue uma colocação e passa a cuidar de uma jovem da idade dos seus filhos. Ainda assim, falta iniciativa a uma moça que a qualquer momento ficará só, com a partida dos filhos. Os outros personagens são satélites da protagonista, ainda que tenham uma vida particular; não encontramos reais traços de motivação em nenhum deles. 

Noites de Paris (2022)
Divulgação

A principal diferença entre Noites de Paris e os longas anteriores de Hers é a precisão do roteiro, que aqui parece mais afrouxado. Não estão representados o cuidado com o relevo de personagens e narrativa, que tornou-se mais simbólico e livre; se isso permite liberdade a obra, também permite indisciplina. Além disso, as cenas atmosféricas parecem se repetir não apenas na quantidade quanto principalmente na formatação, com planos muito parecidos uns com os outros, quase demonstrando preguiça. Os tempos de cena também soam difusos, sem demonstrar qual o tamanho que cada evento ocupa, e qual a ordem dos acontecimentos. Uma pena que não esteja aqui a mesma dedicação à construção narrativa do que vimos anteriormente. 

Ainda assim, existe um cuidado com o que cada personagem ambiciona em Noites de Paris que não está em toda produção. São apenas pílulas motivacionais, mas não deixam de conduzir esses elementos de maneira pessoal e espontânea. Existe humanidade até por trás de eventos costurados de maneira menos compromissada, mas essas costuras existem e são perceptíveis. É um momento não tão feliz de um cineasta em ascensão, mas que não arranha esse lugar de escalada progressiva; foi apenas um motivador para o filme seguinte. 

Um grande momento

Elisabeth dá um ultimato a Talulah

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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