- Gênero: Documentário
- Direção: Ana Carolina Marinho
- Roteiro: Amanda Bortolo, Ana Carolina Marinho, Anna Zêpa, Leticia Bassit, Luz Bárbara
- Elenco: Leticia Bassit, Pedro Bassit
- Duração: 88 minutos
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No palco da Mostra Tiradentes, a diretora Ana Carolina Marinho anuncia algo bonito e forte, que a amizade com Leticia Bassit a fez conhecer sua história, e que tal precisaria ser conhecida por ser importante de muitas maneiras. Ao mesmo tempo, isso é a venda de um projeto, praticamente – assistam, gostem, e não ousem fazê-lo diferente. Eu Também Não Gozei abre com essa responsabilidade, fazer valer a voz de tantas mulheres por trás das câmeras e outras tantas ainda mais por trás. Quanto ao impacto narrativo, Marinho não deveria precisar mostrar evidências para o projeto, porque é tudo muito impressionante mesmo – e ao mesmo tempo, assustadoramente banal. Ser enredado pela obra é fácil.
O difícil é manter o campo de atuação de Eu Também Não Gozei o mais sucinto possível, sem deixar voar em excesso suas possibilidades. Trata-se de um documentário em primeira pessoa sobre maternidade, e sobre paternidade também – ou a ausência da mesma. Leticia engravidou, terá o filho, e essas são questões não apenas definitivas, como superadas assim que o filme começa. O que não está claro é a identidade do pai de Pedro, já que existem quatro possibilidades de respostas positivas. O que veremos é um misto de uma busca que parece misturar alguns propósitos, a realidade virada do avesso da protagonista, sua relação livre com o trabalho, e as consequentes frustrações da maioria desses temas. Como se pode ver, a apresentação pode até ser simples, mas a elaboração dessas ramificações é que geram os conflitos.
Junto com as certezas de Leticia, o que sua amiga faz pela história dela produz altos e baixos, mas o saldo é positivo. Eu Também Não Gozei é um projeto que trata da visibilidade não de um laço de amizade, ou para propagandear sororidade, mas um contundente olhar para a fuga da responsabilidade paterna em grau mais agudo. O que funciona no filme é uma questão de espécie ‘aquilo que sempre esteve na minha cara para ser contado, e eu nem me dei conta de que não havia rolado’. Obviamente não tinha como esse título existir sem ser absolutamente feminino, de todas as formas e em todos as cabeças de produção. Isso é a essência em si, então não pode ser encarado de maneira entusiasmada – é apenas uma característica, embora seja a mais acertada e a única possível.
A forma como Marinho filma Leticia, isso sim é um acerto na maior parte das vezes. Sem qualquer traço de condescendência ou julgamento, Eu Também Não Gozei soa como algo muito novo a aportar no audiovisual pelo que isso tem de mais representativo, mas acima de tudo pela maneira fresca de abordar algo igualmente inédito. O resultado é respeitoso e crível em sua vontade de denunciar algo de aparência banal, mas que precisa ser coibido. Os momentos entre a protagonista e seu filho são desenvolvidos com cuidado e verdade, e o filme tem alguns momentos muito tocantes sobre tais cenas, quando não parece ter algo mais em cena que não apenas o sentimento entre mãe e filho, expressados de maneira muito simples.
O filme ainda incorre em outra questão pertinente, que é o machismo estrutural que questiona a liberdade de ação sexual de uma mulher. Sem questionar o que teria acontecido e como seria a vida de Leticia, o filme vai vislumbrando aqui e ali respostas para tais questões – e que podem simplesmente nem ser acertadas. Os medos e as inseguranças da protagonistas são mostrados de maneira natural, e as questões que envolvem o puerpério e a maneira como a jovem se mostra sempre tão madura em descrever a diferença entre a maternidade e ser mãe de alguém (sim, são coisas diferentes) levam Eu Também Não Gozei pro alto.
O que não soma pontos positivos é a maneira como personagem e diretora parecem querer se colocar em lugar de sofrimento/problema insolúvel, coisas como ‘meu pai me ajuda com uma grana’, ou não se colocar nesse lugar. No fundo, Eu Também Não Gozei é um filme que trata sobre uma ala específica dessa questão, e aí é pra se admirar ainda mais o que Eliza Capai promove em Incompatível com a Vida, ao compreender o coletivo da situação. O encadeamento óbvio nas soluções narrativo visuais da produção também soam, vez por outra, como forçadas, e sua personagem nem sempre está tão natural quanto poderia. Com isso de ponderações, o quadro geral ainda é a respeito de cinema e não de decisões sociais e talvez por isso o jogo termine empatado.
Um grande momento
O puerpério