Crítica | Festival

Exhibiting Forgiveness

Um criador e suas representações da ausência

(Exhibiting Forgiveness, EUA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Titus Kaphar
  • Roteiro: Titus Kaphar
  • Elenco: André Holland, John Earl Jelks, Andra Day, Aunjanue Ellis-Taylor, Daniel Michael Barriere, Ian Foreman
  • Duração: 117 minutos

Titus Kaphas é um pintor impressionante. Sua obra é uma incisiva elaboração visual da ausência, seja no resgate do apagamento histórico, quando subverte o clássico, ou na concretização do sentimento, com sua marca registrada em coloridos retratos e registros do cotidiano. Suas pinturas expõem a concepção de mundo do autor, sua revolta com aquilo que está aí, em especial no que se refere à comunidade negra estadunidense, mas, mais do que isso, as obras falam muito dele mesmo. Agora, Kaphas leva suas inquietações e sua criatividade ao cinema com o longa com toques autobiográficos Exhibiting Forgiveness.

O filme busca recriar a angústia de um passado traumático, marcado por privações, carências e violências. Tarrell, vivido pelo ator André Holland, alterego do diretor, é o pintor atormentado que constituiu uma família e busca uma vida tranquila, onde comportamentos e posturas do passado não têm lugar para se repetir. E a tentativa de cura é pelo esquecimento, afinal, quando não se pensa em algo, ele deixa de existir. Ou não. A rotina de tranquilidade, embora assombrada por pesadelos frequentes, sai completamente dos trilhos com o reaparecimento do pai, um ex-viciado em busca de reconciliação. 

Exhibiting Forgiveness quer retratar essa jornada de paz e perdão através da arte, e desenha seus personagens enquanto elabora um jogo de passado e presente. Existe uma intenção interessante de explorar as relações, esclarecer motivos e encontrar sua concretização artística/gráfica posterior em outra forma. É muito curiosa essa compreensão do meio e do fim da motivação, a busca pelo lugar da obra. Porém, se há vantagens no criador elaborar a jornada, há também outras questões, em especial, quando o caminho aborda temas complexos como culpa, trauma e vício. Partindo de um lugar de superação inexistente, a narrativa densa se perde e não se sabe muito bem como equilibrar quanta atenção dar a cada um de seus elementos.

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As boas atuações, com destaque para Anjaunue Ellis-Taylor como Joyce, a mãe de Tarrell, não são capazes de superar a confusão causada pela estrutura por demais fragmentada, que ora busca o fluxo de memória, ora tenta se estabelecer como narrativa tradicional, sem falar no desequilíbrio com o uso de flashbacks. A falta de ritmo e coesão torna a experiência cansativa, ainda que funcione como drama familiar de redenção, ou algo próximo a isso. O que se perde, no fim, é a pretensão de ir além, e poderia. Ver o quadro sendo recortado – literalmente – e chegar àquilo que mais se destaca na obra de Kaphas, é muito grande perto do impulso que segue uma sequência entrecortada de flashbacks de um momento terrível na vida do pequeno protagonista. O sentimento é grande, a representação, não. 

E a culpa não é do material, mas do modo como ele está ali. Kaphan é um gênio no modo como retrata a ausência ao conseguir fazer com que ela se materialize, inclusive criando o vazio, a inexistência. Em sua primeira experiência como diretor, porém, embora se entenda de onde vem tudo isso, segue o caminho oposto, e não alcança os sentimentos que busca atingir.

Um grande momento
Projeto Jerome

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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