Crítica | Streaming e VoD

Cyber Hell: Exposing an internet horror

A cosmética do sensacionalismo

(Cyber Hell: Exposing an Internet Horror, KOR, 2022)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Choi Jin-seong
  • Roteiro: Choi Jin-seong
  • Duração: 105 minutos

Ao assistir ao novo lançamento da Netflix, Cyber Hell: Exposing an internet horror, me lembrei muito de Cena do Crime – Mistério e Morte no Hotel Cecil, lançado em fevereiro de 2021 pela mesma plataforma. Ambos documentários de crimes reais, filmados com a mesma abordagem: elevar o suspense e o mistério, deixar a coisa o mais irresistível e eletrizante possível a fim de fazer com que o público fique até o fim. De um lado, pode ajudar o filme a ser mais assistido e gerar consciência sobre os casos? Talvez. Mas há um problema sério com esse tipo de ética documental: nem todo crime — seja por sua gravidade ou simplesmente por uma questão de privacidade das vítimas e seus familiares (o tal direito ao esquecimento) — pode ser tratado simplesmente como ‘conteúdo‘.

Parece que depois do fiasco do documentário sobre o Hotel Cecil, que tratava com total sensacionalismo a morte de uma jovem canadense em um hotel em Los Angeles, caso que já havia ganhado os fóruns e as teorias da conspiração anos antes do lançamento da Netflix, a empresa aprendeu a polir e trabalhar melhor o discurso em seus documentários sobre crimes reais. Mas o buraco é mais embaixo. 

Cyber Hell trata de um escândalo de abuso e violência sexual absolutamente chocante que vitimou dezenas de adolescentes e tomou conta dos noticiários sul coreanos nos últimos anos. A coisa toda gira em torno de grupos do Telegram, onde circulavam imagens de garotas que eram coagidas a se filmar cumprindo missões que os membros pagantes do grupo as delegassem. É muito pesado.

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Ao longo de seus 105 minutos, o filme foca principalmente em entrevistas com jornalistas e investigadores envolvidos no caso. Já é bom começo, certo? Se pensarmos que, no filme do Hotel Cecil, a empresa chegou a autorizar entrevistas com amadores que tinham pistas enganosas sobre um mistério que não estava lá, a resposta é sim. Mas, como sabemos, um filme não é feito só de discurso. É preciso saber como a coisa é apresentada. E, nossa, nesse ponto, Cyber Hell é tão sensacionalista que poderia ter sido filmado pela TV Record (se ela tivesse o orçamento de uma gigante do streaming).

O filme mistura entrevistas em uma sala misteriosa com encenações apelativas, tudo isso costurado por uma trilha sonora que não descansa: querem te deixar no limite da tensão o tempo todo. Acontece que tudo que um caso como esses menos precisa é de uma cobertura eletrizante, que transforme a coisa toda em mais um caso de mistério policial do tipo ‘quem será que fez??’. Há coisas que são melhores deixadas nas mãos de profissionais da imprensa do que nas de produtores de Hollywood.

A cosmética sensacionalista dos documentários da Netflix já é bem estabelecida, e tem feito escola. Mas talvez essa mesma estética (ênfase no radical ética) seja parte dos problemas financeiros que a empresa enfrenta atualmente. Nesse ímpeto de produzir, produzir, produzir, a plataforma associou sua marca a conteúdo barato, plástico, esquecível. Curiosamente, quando se digita os termos ‘documentário sensacionalista’ no Google, o primeiro resultado é uma matéria da revista Galileu intitulada “11 documentários da Netflix para aprender e se divertir ao mesmo tempo: crimes, histórias bizarras e relatos muito bem contados de épocas que você só vai poder assistir nestas obras”. Mas nem tudo precisa, nem pode, ser divertido.

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Marcus Benjamin Figueredo

Marcus Benjamin Figueredo é corintiano, cineasta e jornalista, filho da UnB. Também é pesquisador e já atuou como montador de clipes musicais, produtor, curador e membro do júri em festivais de cinema universitário e roteiro. Gosta de sinuca.
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