- Gênero: Documentário
- Direção: Susana Garcia
- Roteiro: Susana Garcia, Ana Abreu
- Elenco: Paulo Gustavo, Déa Lúcia, Thales Bretas, Susana Garcia, Mônica Martelli, Marcus Majella, Ingrid Guimarães, Malu Valle, Jú Amaral, Júlio Márcio Monteiro
- Duração: 111 minutos
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Algumas vezes já “quebrei o protocolo”, como crítico de cinema, e me expus além do necessário, do ético e do devido. Eu sabia que, ao me deparar com Filho da Mãe, só faria sentido se eu fosse Frank, Fran, Junior ou Chico, mais do que Francisco Carbone. Escrevo esse texto ainda bastante emoconado, porque esse ano, no dia 20 de junho, meu irmão mais velho faleceu, e um ano antes, dia 4 de maio, encerrou-se a história de 15 anos de um cometa. A dor de perder um irmão eu tinha começado a sentir um ano antes, e eu nunca estive pessoalmente com Paulo Gustavo, embora todos falem que nosso humor se pareça. Eu ainda não consegui compreender essas duas partidas, eu ainda acho que ambos estão aqui; a vida ainda existe pro Ricardo e pro Paulo, apenas em outro campo.
Filho da Mãe, o show e o filme, nasceram da vontade de Paulo homenagear quem deu tudo pra ele, literalmente. Déa Lúcia também é uma estrela, porque seu filho deu a ela o holofote de uma. Inspiração maior para a criação de Minha Mãe é uma Peça, Déa era uma cantora da noite que criou os filhos com essa atividade. Com o passar dos anos, abandonou os palcos sem nunca se conformar com um estrelato que não chegou; pois o sucesso de Paulo a catapultou junto com ele. Aqui nesse documentário, vemos a criação do show em que o maior nome de sua geração enfim devolve a mãe tudo que pediu emprestado a ela, que de quebra virou um documento sobre sua vida, sua carreira e seu legado emocional.
Como diz Pedro Bial, não haverá um novo Paulo Gustavo – assim como não haverão novos Dercy Gonçalves, Chico Anysio, Jô Soares, Ronald Golias, Zacarias, Mussum e tantos outros gênios. Por isso, quando o filme se dispõe ao debruçar sobre o que era e o que ficou, o que vemos é a essência do que Paulo construiu: o outro. Como todos os mestres, o ‘cavalo’ de Dona Hermínia era um exímio observador, e transformou tudo que viu em arte. Por ter sido tão breve, porém de generosidade infinita, uma homenagem a Paulo cabe muito mais no conceito emocional, onde desfilam à nossa frente o quanto de humanidade ele deixou espalhado pelo mundo e o quanto ele ensinou, em sua absoluta falta de vontade de ensinar ou dar exemplo.
Em determinado momento, Paulo declara que não era um ser humano político, no sentido da militância, mas que sua vida pessoal exposta, seu casamento com Thales Bretas, o nascimento de seus filhos, sua sexualidade assumida, isso era um ato político por si só. Tinha toda razão – sem jamais subir no palanque, Paulo fez muito mais por causas inclusivas e principalmente pelo indivíduo, unitário e direto, do que várias campanhas. Se eu, conhecendo Paulo depois dos 30 anos (tínhamos a mesma idade), fui muito inspirado e influenciado por essa figura sem igual, imagina crianças que precisam de um exemplo para ser feliz. E se tem alguém que esbanjava vida, alegria, alto astral e felicidade por ser quem era, esse alguém era Paulo.
Narrativa ou esteticamente, Filho da Mãe não tem qualquer ambição. Trata-se de um documentário onde os amigos falam sobre Paulo, relembram sua trajetória, e ficamos ainda mais próximos de dona Déa e companhia. Além disso, acompanhamos Paulo nos preparativos para a estreia do show, os bastidores do mesmo, e a gravidez planejada de Romeu e Gael, seus filhos com Bretas. É como reencontrar um amigo, rir muito com ele, e posteriormente a isso, chorar junto aos amigos dele pela sua partida. Para quem assistiu e tinha qualquer conexão com Paulo, é muito difícil resistir aos depoimentos da diretora Susana Garcia, sua irmã Mônica Martelli e Marcus Majella, três dos melhores amigos desse cara que sempre fará falta, e que ao mesmo tempo parece nunca ter deixado de estar aqui, ao nosso lado.
Pra mim, que, se vocês ainda não sabem, sou aficcionado por Paulo Gustavo, que me via nele e em suas piadas e no jeito, que nunca vi seu talento como histérico e espalhafatoso, que sempre admirei seu incomensurável talento, é muito ambíguo assistir qualquer coisa dele. Filho da Mãe, em particular, bate de maneira muito significativa em quem sofreu recente uma perda mais íntima. Mas é também uma forma de continuar em contato com alguém que, sem que jamais tenha sabido da minha existência, era ainda assim muito amado por mim. Paulo Gustavo nos fez rir e chorar por 15 anos, e faz todo sentido que isso não cesse até hoje, e que a homenagem que fez a sua mãe acabe se transformando em uma nossa pra ele. Com muito amor, obrigado por tudo.
Um grande momento
O final de Minha Vida em Marte / Paulo e Marcus na frente do avião