Crítica | Streaming e VoD

Forever Rich

O valor das coisas (e as coisas acima de qualquer valor)

(Forever Rich, NED, 2021)
Nota  
  • Gênero: Suspense
  • Direção: Shady El-Hamus
  • Roteiro: Shady El-Hamus, Jeroen Scholten van Aschat
  • Elenco: Jonas Smulders, Yootha Wong-Loi-Sing, Hadewych Minis, Matteo van der Grijn, Sinem Kavus, Mustafa Duygulu, Sergio Fontana, Daniël Kolf
  • Duração: 89 minutos

A origem pessoal é mais que um conceito, é um bem entranhado nos seres humanos, muitas vezes de forma indelével e incapaz de ser apagado. Passamos a vida inteira buscando nosso lugar no mundo, um lugar que muitas vezes é distante de onde vimos – e quanto mais distante melhor. O que Forever Rich, estreia de hoje da Netflix muito mais conceitual do que se pode prever à primeira vista, quer dizer é sobre a incapacidade de se tornar outra pessoa quando sua essência já está moldada, seja seu interesse ascender socialmente ou perder uma inocência que sempre será sua, ou tudo pode estar ainda mais incrustado.

O streaming, com frequência ininterrupta, dá espaço não apenas a produções diferentes que não teriam espaço de vingar em um passado recente, mas principalmente cede voz a novos autores, o caso de Shady El-Hamus. Jovem cineasta holandês com sede de colocar o rosto de uma certa periferia na tela, sua discussão parece girar em torno dessa ideia de “os seres são produtos de seu meio”, e a escapatória a esse esquema passa a uma desconstrução particular que não foge ao cerne da questão – por mais voltas que dermos, a origem de tudo sempre estará à espreita, para nos constantemente assombrar ou cobrar suas dívidas.

Forever Rich
Netflix

A estrutura tensa de um belo thriller à moda antiga não só conecta a audiência eletrizada por seu ritmo, como também amplia sua narrativa para o escopo do hoje, através de um debate sobre o fugaz sucesso midiático contemporâneo. Se engana que, enquanto fugaz, o filme compreende rápidos anos, poucos meses ou mesmo alguns dias – estamos falando de horas, o tempo que corre a produção, que fecha seu arco nas últimas 24, mas que tem ação centrada em uma madrugada exasperante. Nesse tempo, o rapper Rich saiu do pico do sucesso para a mais amarga derrota, seguida por uma recuperação surpreendente e nova esborrachada no chão e mais um Olimpo metafórico… ou seja, a vida como se vive hoje, onde você é amado e odiado continuamente ao longo de um dia inteiro.

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Em determinado momento crucial, Rich enfim tem uma crise de ansiedade, e o filme também está olhando para essa geração que se pretende a todas as emoções non stop, sem qualquer preparo psicológico, físico ou emocional que o recupere de uma chuva de likes e hates, ou seja, provavelmente sem querer e muito nas entrelinhas, Forever Rich também esquadrinha a contemporaneidade com muito mais qualidade, discernimento e sutileza que O Dilema das Redes, porque constrói uma persona real, de fácil compreensão e conexão, e que sabemos existir por aí aos punhados, com toda sua vibração e ao mesmo tempo com todas as suas doenças.

Forever Rich
Netflix

Com um manancial de potenciais discussões, o roteiro de El-Hamus e Jeroen Scholten van Aschat tem a rapidez e a virulência da juventude, ansioso por despejar todo seu conhecimento e sua velocidade. A montagem de Patrick Schonewille exala a competência necessária para que uma produção com tanto a apresentar não perca sua função dramática, nem comprometa sua linha de raciocínio em meio a demandas acumuladas. Trata-se de um filme jovem com pegada jovem, mas que sua argamassa não se empobrece para desenvolver uma trajetória absolutamente acidentada, daqueles casos onde a pessoa para consertar um erro comete mais três, e assim por diante, até estar chafurdada nos problemas que ela mesma construiu pra si.

O jovem ator Jonas Smulders tem um trabalho impressionante como a figura central do filme, uma criatura que realiza uma verdadeira via crucis em cerca de 12 horas, indo com frequência até o fundo do poço e retornando de lá com um Santo Graal – seu relógio de ouro – até cair mais uma vez e começar tudo de novo, como se assistíssemos a um videogame em live action, com missões cada vez mais desastrosas que revelam lados desse protagonista que o descamam, e mostram o que está por trás do gangster juvenil: uma criança alerta e muito assustada, que fecha um dos arcos dramáticos mais eficientes do cinema recente, uma montanha russa que revela a esse jovem o que realmente conta no fim do dia.

Um grande momento
Rich e os filhos de Appie

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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