Crítica | Festival

Galore

(Galore, HOL, 2019)

  • Gênero: Documentário
  • Direção: Dylan Tonk, Lazlo Tonk
  • Roteiro: Dylan Tonk, Lazlo Tonk
  • Duração: 101 minutos
  • Nota:

Há caminhos que só o documentário consegue trilhar. Embora a ficção recrie, dê ênfase e enfeite histórias, o acesso ao real, muitas vezes, tem uma potência que só aquela câmera, naquele momento, pode captar. Em Galore há uma cena que traduz isso muito bem: a famosa drag está no palco depois de um tempo tentando ajeitar o vestido no camarim. O desconforto da artista, a insegurança com a própria forma, estão em seus movimentos, no modo como ocupa aquele espaço e como o deixa. É incrível!

Lady Galore é uma drag queen europeia que fez sua primeira aparição na Parada Gay de 2009, em Amsterdã. Ela faz suas próprias roupas e, depois de apresentar-se aqui e ali, virou um super sucesso no mundo. Além das performances e por trás delas, Sander den Baas é um ativista pela visibilidade da comunidade drag e defende a ideia de acolhimento e comunhão para o fortalecimento do movimento e dos indivíduos. 

Galore, documentário de 2019

Na vida pessoal, Sander tem outros problemas. Adoecendo por causa do excesso de peso, ele precisa fazer uma cirurgia bariátrica. O diretores Dylan e Lazlo Tonk transitam muito bem pela história de Lady Galore, acompanhando de perto o cotidiano da personagem e do artista, e captando detalhes de sua vida e carreira. Frases como a que abre o filme “eu nunca quis ser mulher”, o modo como o novo cômodo da casa é apresentado e o reviver da reação da mãe após a saída do armário criam uma conexão fundamental para compreender não só o documentado, mas todo o universo onde sua drag foi criada e existe.

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O documentário avança apenas depois de estabelecer muito bem essa ligação e intimidade com o público. É importante que aquela figura esteja solidificada antes que tudo se transforme. Somente assim será possível entender o trajeto do personagem. Aos espectadores, é possível perceber como a identidade vacila, como a criatura começa a ser redescoberta por seu criador.

Galore, documentário de 2019

O acompanhar dessa jornada, que enfrenta, ao mesmo tempo, a segurança e a insegurança deve muito, obviamente, ao retratado. Não há como descolar tudo o que aquele homem e aquela mulher, Sander e Galore, representam para a comunidade LGBTQIA+ e nem o carisma do indivíduo do sucesso do filme, que, inclusive, se perde quando se afasta demais dos dois.

Galore é um documentário sobre o universo drag queen, mas muito mais do que isso é um retrato de identificação e de identidade. A complexidade de um homem que se transforma em uma diva e que, com as transformações de seu corpo, não sabe muito bem onde encontrá-la de novo traz uma reflexão muito interessante e universal. O documentário entende isso e dá todo espaço para essa compreensão, atento aos detalhes, que, por vezes, dizem muito mais do que as palavra.

Um grande momento
O desconforto no palco. 

[5º Festival Internacional LGBTI]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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