Crítica | Festival

Good One

O vazio da decepção

(Good One, EUA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: India Donaldson
  • Roteiro: India Donaldson
  • Elenco: Lily Collias, James Le Gros, Danny McCarthy, Julian Grady
  • Duração: 90 minutos

São muitos os festivais de cinema ao redor do mundo, e cada um deles tem o seu estilo. Isso abre uma longa discussão sobre a busca curatorial por fórmulas e “marcas”; o apego a realizadores que abraçam certos códigos e, talvez a mais calorosa de todas, a produção de títulos que tentam se enquadrar naqueles formatos. Não basta o rótulo “filmes com cara de festival”, têm aqueles que são considerados filmes de um determinado festival, definem críticos e cinéfilos. O pré-julgamento faz com que produções já sejam vistas com uma certa má-vontade e não mereçam a atenção devida. Por outro lado, há uma identificação e afinidade também por parte de quem acompanha os eventos, o que equilibra a situação. Mas a equação geral é complexa, não se pode negar.

Esse preâmbulo todo serve para falar de Good One, longa de estreia de India Donaldson que, de pronto, foi taxado como filme com cara de Sundance. Indie sem sua essência, o longa de estreia de India Donaldson conta a história de Sam (Lily Collias) e parte de um lugar não tão inusitado, de fácil assimilação, propício ao desenvolvimento de conflitos: prestes a entrar na faculdade, ela segue sem muita vontade para em um fim de semana de acampamento com seu pai, Chris (James Le Gros), e o melhor amigo deste, Matt (Danny McCarthy). Aquele que seria o único companheiro de viagem com uma idade similar, o filho de Matt, desiste da viagem na última hora, deixando-a sozinha na situação. 

O enredo de Good One se desenrola de maneira delicada, sem sobressaltos, observando a relação entre os personagens. Embora não se conheça o passado de Sam, é possível ver o seu domínio de todo o ambiente, seu desenvolvimento, familiaridade e controle do espaço. O mesmo acontece na relação com seu pai, marcada por diálogos que revelam ora estranhamento, ora intimidade, em uma a dinâmica de adequação à fase transicional. O entendimento de ambos contrasta com a ausência que circunda e abala Matt, um personagem antipático e amargo. Se ele faz refletir sobre amizade, expectativas frustradas e dificuldades da paternidade, também traz o que há de mais desprezível no patriarcado.

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Com uma direção segura, que se aproveita da paisagem e dos silêncios, prolongando o tempo, Donaldson envolve os espectadores e, assim como estão os personagens, os deixa despreparados para os acontecimentos. Em uma atuação muito precisa de Collias, o desconforto crescente vai tomando conta da trama, primeiro na dificuldade em lidar com fatos, seguindo para a ruptura da imagem e a reconstrução de si mesma, e de uma relação que nunca mais será a mesma pois menor do que algo maior, que sempre determinou prioridades. A habilidade em se expor o vazio de uma decepção profunda e a raiva com agilidade e humor, sem deixar que o ritmo se perca, é inegável.

Ótima estreia, tomara que muitos superem o discurso fácil de “filme com cara de determinado festival” e assistam ao longa, conhecendo suas qualidades e descobrindo tudo aquilo que está por trás dele. The Good One, parece tomar um caminho diferente daquele que se desenhava em seu início, mas nunca deixa de tratar das dinâmicas familiares e da relação de pai e filha. A afirmação de Sam no mundo, tendo como foco esse vínculo paterno não poderia mesmo fugir de uma estrutura que dita condições de criação e comportamento. Se há situações extremas aqui, elas não deixam de existir na vida real e muito menos a resposta é diferente, porque o machismo está aí e, com ele, a inabilidade e muitos equívocos na maneira de lidar.

Um grande momento
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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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