- Gênero: Animação
- Direção: Eliete Della Violla, Daniel Bruson
- Roteiro: Eliete Della Violla, Daniel Bruson, Talita Annunciato
- Duração: 14 minutos
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Olhar para o passado familiar e conseguir fazer daquelas imagens e narrativa, que se conectam perfeitamente à sua própria história, um raciocínio coletiva que engloba todos que, por algum motivo, já tenham se desdobrado de afeto por outro alguém. Esse acerto de núcleo próximo, esse resgate imemorial é alcançado através de Guaracy, curta-metragem de duração bastante diminuta, mas que através de técnicas de animação surpreendentes, consegue comunicar muito através da singeleza. Sem apelar para um lugar reconhecível da emoção, o filme se engendra com o espectador através dessa narração e da pureza com que tais imagens nos assolam.
O protagonista de Guaracy é o avô de Eliete Della Viola, que assina a direção do filme ao lado de Daniel Bruson. Através de seu olhar delicado, descortinamos uma história que poderia ter sido esquecida pela memória, mas que está viva e reproduzida em tela. Esse é um aspecto que seus diretores trazem à tona, a importância da memória, seja no campo visual ou no campo oral. É como adentrar um universo que parece se perder gradativamente, mas do qual ainda sobraram flashes e instantâneos seguros. Desses momentos, a direção consegue extrair o melhor ao misturar suas técnicas, como se também elas fossem se perdendo no tempo do filme, sendo levadas pela memória.
Dessa forma, é novo e desafiador o que vemos, e é muito bom estar no cinema de animação brasileiro atual, principalmente o de curta-metragem. Vemos uma miríade de tentativas, onde nenhuma elimina a potência da anterior, e parece abrir sempre novas portas para o futuro. Guaracy, nesse sentido, parece criar um intercâmbio entre dois momentos do tempo tão díspares, aquele que não pode mais retornar fisicamente mas que está materializado enquanto ideia, e um outro que ainda vai chegar, graças ao que a direção propõe, e que vai além da condição emocional que a delicadeza comporta. É uma porta aberta entre o futuro e o passado, que não vê sentido em fechar-se.
O fato de utilizar o elemento musical como mais uma ponte contra o esquecimento também reverbera, no filme e no espectador, porque seus códigos são provocados pelo próprio personagem e aceitos pela direção. Através de uma pesquisa particular mas igualmente familiar, Eliete encontrou o homem possível para descortinar sua obra. A partir da música e das palavras que saíram do seu relato, é montado esse mosaico de imagens, que revela uma técnica produzida a partir de elementos que não se espera, mas que formam um quadro amplo de identificação. Porque parece identificar com o que está guardado também em nós, e se revela a partir desses objetos, dessa matéria utilizada.
Em sua defesa apaixonada pelo que está em busca de redescoberta, por um afeto que se julgava esquecido, Guaracy é mais uma voz que reafirma a excelência da animação como porta de entrada para novas reflexões da imagem. É um espaço que dialoga com o cinema experimental com facilidade, e que não abre mão da comunicação popular que também lhe é cara. Com essas duas vozes conectadas, o que conseguem Eliete e Daniel com a desconstrução do olhar documental é valioso, e não deveria ser desmerecido ou tratado como menor, quando justamente é o oposto disso. Um legado de arte que acontece em família, sem que isso jamais seja algo a debater-se; simplesmente está lá.