- Gênero: Drama
- Direção: Isabella Eklöf
- Roteiro: Isabella Eklöf
- Elenco: Victoria Carmen Sonne, Lai Yde, Thijs Römer, Yuval Segal, Bo Brønnum, Ild Rohweder, Morten Hemmingsen, Mill Jober, Laura Kjær, Stanislav Sevcik, Saxe Rankenberg Frey, Michiel de Jong
- Duração: 93 minutos
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A sueca Isabella Eklöf estreia na direção de longas avançando em terreno provocativo muito emparelhada e contemporânea ao que está sendo dito hoje por mulheres cineastas do mundo todo. Ana Lily Armipour (de Garota Sombria Caminha pela Noite), Celine Sciamma (de Retrato de uma Jovem em Chamas), Greta Gerwig (de Lady Bird), Julia Ducorneau (de Raw), Mati Diop (de Atlantique), a novíssima Emerald Fennel (de Bela Vingança) e tantas outras são corajosas e tem visões muito singulares sobre o feminino, todas essas obras imbuídas de um determinismo pulsante a subverter estereótipos tantas vezes atribuídos à figura da mulher, muitas vezes pelo próprio cinema. Holiday, estreia de hoje da plataforma Reserva Imovision, transgride a ótica do espectador e dilacera de tensão cada cena durante suas ágeis 1 h e 30.
Essa desconstrução do espaço destinado às protagonistas femininas é ironizado por Isabella aqui, mas ao roteirizar Border a autora já anunciava seu lugar na indústria como um espaço de confronto, sem se abster de riscos. Ousa ao construir uma figura central de aparente passividade diante do horror que a cerca, e que lhe invade com frequência, especificamente desde a primeira cena. Esbofeteada e ameaçada já com cinco minutos de projeção, Sascha está a mercê do mundo que lhe rodeia – e através dessa apresentação violenta, o filme lega ao espectador um estado de tensão extremo. A certeza sobre uma sucessão de tragédias fica clara, no qual a diretora habilmente induz cada testemunha das ações perpetradas em cena gatilhos disparadores de sensações negativas, que podem acontecer ou não.
Ao longo da narrativa, Holiday constrói uma identidade imagética e temática que se afasta da sombra de Vingança com mais veemência, mostrando que suas semelhanças estavam tão somente na premissa – jovem amante de um criminoso chega para um fim de semana ensolarado com o mesmo. Enquanto na produção francesa de Coralie Fargeat, sua mocinha se transformava em rolo compressor de homens abjetos, aqui Isabella está disposta a outras personalidades, outras dimensões humanas e um desenho geral (espaço cênico, disposição de personagens no plano, textura de luzes) que se aproxima até de uma cartilha naturalista para tecer a condução dos eventos e dar a cada desdobramento uma possibilidade de identificação real. Como se possível fosse, a autora conduz como um fino cristal um filme que abraça o gênero sem perder sua argamassa humana.
A protagonista Sascha, vivida pela talentosa Victoria Carmen Sonne, é um desafio de construção narrativa, de corporificação e de comunicação empática com o espectador. Como uma teia de contradições (diríamos humanidade?), a moça está inserida em um cenário contemplativo de beleza e ostentação, ela mesma ocupando esse lugar de esfinge; o que pensa, quais serão suas escolhas, cabe espaço para sonhos, são questionamentos que vamos amealhando que não chegam a respostas concretas mas que servem a desconstruir a imagem pré-concebida que os roteiros outorgam a esses sujeitos em tela. Se os homens soam deslocados em suas truculências habituais, mais servidos como marionetes de uma estrutura machista, a protagonista cheia de camadas inesperadas, porém tão interiorizada em seu caminho, é uma chave por si só já moderna e muito mais senhora de seus atos do que se avizinha.
Sabendo das possibilidades de afastamento do público, Isabella não se amedronta nem faz concessões. Pelo contrário, faz uma obra ousada que trata a “mulher objeto” como articuladora da própria existência, em um quebra-cabeça que só faz sentido ao observar o longa ao término, onde ainda assim não foge das possibilidades de julgamento explícito, dentro e fora da produção. Tendo consciência dos lugares por onde circula suas decisões, a diretora insere uma cena extremamente controversa de violência sexual explícita no exato miolo da produção e mais uma vez provoca, para o bem e para o mal, diante de uma realidade diária vivida por tantas mulheres, que ainda assim abraça a controvérsia em seu desfecho. Sascha é uma figura que a todo momento estar deslocada do plano, inserida a força ou refém de sua imagem, mas o filme diz que uma escolha foi feita, e foi feita por ela.
Com apenas quatro cenas de violência gráfica, mas repleta de um teor de constante ameaça pairando no ar, Holiday não se permite leveza ou regurgitar imagens para um conteúdo assumidamente pop que sirva de identificação popular. Radiografando um universo por um tempo exíguo e buscando capturar a essência daquelas relações, a diretora se aproxima de uma fôrma romena de criação de planos e posicionamento testemunhal de eventos – o espectador não vê tudo porque os personagens não veem tudo. Se configura assim um jogo onde ninguém tem todas as peças, com isso sendo muito apropriado que sua protagonista entre e saia da narrativa com tanto ainda a dizer; de alguma forma, ela diz.
Um grande momento
Jantar a três