Animação
Direção: Bob Persichetti, Peter Ramsey, Rodney Rothman
Elenco: Shameik Moore, Jake Johnson, Hailee Steinfeld, Mahershala Ali, Brian Tyree Henry, Lily Tomlin, Zoë Kravitz, John Mulaney, Kimiko Glenn, Nicolas Cage, Kathryn Hahn, Liev Schreiber, Chris Pine
Roteiro: Rodney Rothman, Phil Lord
Duração: 117 min.
Nota: 8
A Marvel chegou para mudar o jeito de fazer cinema de entretenimento, isso é certo. Ainda que seja mais fácil criticar essas mudanças, com toda a pasteurização de roteiros, produção seriada e a determinação de um “ritmo ideal” para as audiências atuais, há muita coisa positiva sendo criada com seus personagens, seja em produções sob sua assinatura ou nas parcerias com outros estúdios em franquias vendidas anteriormente, e isso precisa ser reconhecido. No meio de tantas coisas iguais, diferenças sutis e algumas ousadias têm o seu lugar, seja no desapego à humanização, no lidar com o humor, numa maior representatividade e na busca por traços autorais.
Ao transportar os seus mais importantes personagens dos quadrinhos às telas, apostando em filmes de origem e reunião, criou seu público e faz milhares de dólares anualmente, algo que foi amplificado após a compra do seu estúdio próprio pela gigante Disney. O sucesso é tanto que no ano passado emplacou nada menos do que quatro filmes entre as dez maiores bilheterias: Pantera Negra, Vingadores: Guerra Infinita, Deadpool 2 e Homem-Formiga e a Vespa, com o primeiro levando para casa três Oscars (melhor trilha sonora, melhor figurino e melhor desenho de produção) depois de sete indicações, incluindo a de melhor filme. Só pela quantidade de títulos lançados anualmente é possível antecipar um caminho fácil à mina de ouro, mas há um quê de alternância e ousadia que fazem a diferença. Assim como a Marvel mudou o mundo dos quadrinhos com críticas e questões de inclusão, sem deixar de lado a inovação e a criatividade, o mesmo se dá nas telas.
A grande surpresa da Marvel no ano passado não estava nas muitas histórias continuadas ou na consagração de um novo herói, muito menos em seu universo em live-action. Ao aparecer no já dominado universo das animações com Homem-Aranha no Aranhaverso, o estúdio conseguiu desbancar Pixar e Disney, se não nas bilheterias, na atenção da crítica especializada e na Academia. E com motivo: seu título frenético traz ao universo da animação o seu jeito – em forma e conteúdo – de contar histórias, mas sem deixar de trazer também várias inovações estilísticas que saltam aos olhos, impressionam e permanecem.
O longa-metragem segue o plot mais atraente dos filmes de super-heróis: a origem do personagem. Aqui conhecemos Miles Morales. Criado em 2002 por Sara Pichelli e Michael Bendis, o adolescente, que também adquire seus poderes ao ser picado por uma aranha, tem uma outra história de vida e mostra uma realidade desconhecida pelo órfão Peter Park. É com a morte deste que o jovem Miles assume o uniforme.
Mas como assim a história de um Homem-Aranha que não é o Peter Parker? Os universos alternativos não são novidade nos quadrinhos. Muitos dos super-heróis têm várias personalidades e suas próprias histórias. De vez em quando esses personagens se encontram naquilo que chamamos de multiverso, ou, aqui, aranhaverso. Em uma mesma história, personagens de tempos e lugares próprios se encontram para realizar um objetivo comum. Homem-Aranha no Aranhaverso eleva isso à sétima potência, literalmente, já que junta em sua Nova York sete “seres-aranha”.
Além de Miles e o Peter Parker que coabitam o mesmo universo, a história traz o Peter Parker noir dos anos 1930, o Peter Parker barrigudo e frustrado, a Mulher-Aranha de Gwen Stacy em seu mundo de gênero reverso, Peter Porker ou o porco-aranha saído de um universo cartunesco de animais antropomórficos, e Peni Parker descendente japonesa vinda do futuro com seu robô. Se as primeiras imagens da animação já impressionam pela mescla entre 3D e 2D e pela bem-sucedida recriação da estética dos quadrinhos impressos, com inserções de técnicas diversas, é na preservação de características visuais dos vários universos que se encontram que está a verdadeira força do filme.
Enquanto as determinações dos personagens principais definem seus ambientes – o grafite de Miles, as cores abertas de Gwen ou o cinza pouco iluminado do Peter deprê – e se aposta numa construção visual mais tradicional para o universo de encontro, há muito com o que se brincar com os personagens mais distantes. As retículas mais evidentes e o preto e branco do passado, os traços simples dos desenhos à la Looney Tunes e a estética de mangá com seu jeito particular de demonstrar movimento e emoções não se restringem às apresentações e invadem quadros inesperadamente. A profusão de estilos poderia dar muito errado, mas, ao contrário, faz com que o que se vê encontre uma unidade inesperada e funcione muito bem.
Há ainda um respeito pela memória afetiva construída pelo personagem no cinema, com citações aos filmes já lançados na definição dos próprios aranhas. As reconstituições aparecem em flashs de cenas clássicas, principalmente da trilogia de Sam Raimi, e expõem uma das ações mais características da Marvel: o provocar no seu público o conforto de voltar a histórias conhecidas e com as quais já tem uma relação pré-estabelecida. Algo que o estúdio vem desenvolvendo há muitos anos com várias cenas pós-créditos e que, ultimamente, vem tomando outros espaços da narrativa.
Por trás de todo o deleite visual, há uma história comum de super-heróis, onde o vilão pretende destruir o mundo e precisa ser impedido. Como se trata do Homem-Aranha, há ainda questões familiares temperando a história, mas isso seria pouco para a Marvel. Em sua reunião multiversal, o filme trata da representatividade com Miles e Gwen, e não deixa de fazer sua crítica em tempos de Donald Trump.
Por falar em vilão, quem domina o filme é o Rei do Crime, embora a presença de tantos seres-aranha tenha permitido trazer Duende Verde, Escorpião, Dra. Octopus e Gatuno à história. Se a maioria segue no maniqueísmo tradicional, até por falta de tempo e espaço para desenvolvimento, há lampejos de motivações afetivas contraditórias bem interessantes perdidas entre estes personagens.
Mas é mesmo a estética e a ideia – e ousadia – de misturar tantas realidades e estilos que faz com que Homem-Aranha no Aranhaverso chegue de maneira tão arrebatadora ao mundo das animações. Não que não já tenha estado por aqui antes, mas não de maneira tão precisa. Mais um caminho rumo a rios de dinheiro da editora/produtora? Possivelmente. Mas que venha sempre querendo inovar, criar novas experiências e trazer temas importantes às telas.
Um daqueles filmes de vender boneco que valem a pena ser conhecidos.
Um Grande Momento:
O cubo mágico.
Oscar 2019
Melhor animação
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