Crítica | Festival

Hunters on a White Field

Masculinidade tóxica

(Jakt, SWE, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Sarah Gyllenstierna
  • Roteiro: Sarah Gyllenstierna
  • Elenco: Jens Hultén, Magnus Krepper, Ardalan Esmaili
  • Duração: 100 minutos

Homens passam sua vida sendo testados. Em vários momentos, estão sujeitos a rituais de iniciação. Hunters on a White Field retrata mais um deles, um clássico da “machulência”, como diria Jaque Pinheiro, ou @jaqueconserta. O longa, dirigido pela sueca Sarah Gyllenstierna conta a história de Alex, que acompanha seu chefe Greger e velho amigo dele, Henrik, em uma viagem para aquela que será sua primeira caçada, algo difícil de conceber para muitos e talvez até para ele mesmo. Iniciante, será acompanhado por dois veteranos, e está ali como um invasor da relação e do espaço natural, que está prestes a ser vendido.

A tensão aumenta à medida que a trama se estabelece. O roteiro, uma adaptação do romance de Mats Wägeus pela própria diretora, é permeado por elementos familiares, como a disputa entre irmãos – e cunhado – que se desenvolve fora de tela; jogos corporais e psicológicos agressivos; a relação com a natureza; sentimentos reprimidos, e o desconhecimento dos códigos da atividade. Gyllenstierna concatena os signos e estabelece uma atmosfera sufocante. Ela, ao lado de seu diretor de fotografia Josua Enblom, é habilidosa ao usar planos, em abertura, luz e temperatura, para despertar sentimentos e apresentar os personagens e suas perturbações. Ora muito próximos, ora perdidos na vastidão verde, vão expondo a opressão que os transforma ou faz com que se revelem.

O crescimento de uma violência que é natural e esperada em situações como essa, já que toda iniciação tem essa conotação violenta, vai guiando o longa. As atuações de Ardalan Esmaili, Magnus Krepper e Jens Hultén intensificam sentimentos que vão da ansiedade ao desprezo. Em meio àquilo que se cria, observa-se um padrão estabelecido que não consegue ser superado, algo que chega – e pode até ser erroneamente confundido com irracionalidade e instinto – à determinação de uma sociedade onde homens precisam se provar e ser provados a todo momento. São jogos nocivos de comprovação da masculinidade ou “edificação do caráter” que estimulam valores e sentimentos como superioridade, preconceito e ódio.

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Principalmente por ser um filme denso, Hunters on a White Field precisa se equilibrar bem no ritmo. A estreante Gyllenstierna sabe trabalhar o tempo, com pausas e silêncios, e ainda que o resultado não seja perfeito, atinge o mais genuíno terror psicológico. Há uma certa previsibilidade na trama, mas o modo como esta progride supera as falhas pelo uso daquilo que não se vê e nem sempre se espera, num exercício interessante de sons e sombras e no inesperado de reações que se sobrepõem à lógica.

Partindo de uma conexão imediata, na associação de elementos prontamente identificáveis no patriarcado comum a todos e todas, como carros, caçadas, brincadeiras idiotas e brigas corporais, o longa encontra sua história e vai além. O ponto onde chega é aterrador e, mesmo que propositalmente exagerado, diz muito sobre o viver em uma sociedade onde códigos masculinos precisam ser atendidos para que se sobreviva. Hunters on a White Field mergulha na agressividade e humilhação dos jogos patriarcais, abordando as sempre complexas questões da autoafirmação e pertencimento, e sem ignorar a contraditória mas sempre presente conotação homoafetiva. Uma bela estreia e uma interessante experiência, sem dúvida.

Um grande momento
O tiro de misericórdia

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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