Crítica | Catálogo

I Wanna Dance with Somebody: A História de Whitney Houston

Dança sem par

(I Wanna Dance with Somebody, EUA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Kasi Lemmons
  • Roteiro: Anthony McCarten
  • Elenco: Naomi Ackie, Stanley Tucci, Ashton Sanders, Clarke Peters, Tamara Tunie, Nafessa Williams, Dave Heard, Bria Danielle Singleton, Bailee Lopes
  • Duração: 144 minutos

Kasi Lemmons é uma cineasta com mais de 25 anos de carreira e está lançando agora apenas seu sexto longa, I Wanna Dance with Somebody: A História de Whitney Houston. Prestes a completar 62 anos, enfrenta dentro da indústria além de provável misoginia, um racismo que ainda está bem longe de ser vencido. Isso talvez justifique o fato de, apesar de ter sido tão aclamada pelo seu longa inicial, nunca ter conseguido conquistar espaço maior ao que tem hoje. Também em seus dois últimos dois longas dirigiu biografias que mais parecem iscas para premiações, e nenhum dos dois deu certo, esse inclusive. Pensado na esteira do sucesso de Bohemian Rhapsody, o filme está passando em brancas nuvens mesmo tendo as mesmas “qualidades” do filme sobre a vida de Freddie Mercury. 

A questão recai mais sobre porque aquele filme tão precário conseguiu um sucesso tão retumbante em quase todos os sentidos – menos entre a crítica – e esse outro título, escrito pelo mesmo roteirista que tem levado seus protagonistas ao Oscar, passará não apenas longe das premiações como também da bilheteria. Whitney Houston é uma das maiores estrelas da História da música norte-americana, uma das mais premiadas, mais vendidas e mais amadas, e o público que se arrastou para assistir a banda inglesa Queen não quis comparecer aqui. O que deu errado na venda desse produto podem ter muitas respostas, mas permanece a incredulidade, e talvez mais uma vez o racismo justifique as escolhas. 

I Wanna Dance With Somebody
Sony Pictures

Sim, há pouquíssimas qualidades cinematográficas aqui, o filme é um projeto de estúdio onde Lemmons não tem qualquer gerência, tudo parece cronometrado para a entrega de um material visando a emoção fácil e os fãs desesperados, mas a conexão que o filme cria é falsa, porque não nos remete a nada do que é criado pelo filme, mas pelo que já existia previamente, como qualquer biografia. Diferente de Elvis, não pensamento autoral, apenas a necessidade de vender sua protagonista como uma marca, exatamente tudo pelo qual ela lutou contra. A independência que Houston lutou para ter, tendo suas escolhas respeitadas diante de uma saraivada de críticas quase durante toda a carreira, I Wanna Dance with Somebody não faz qualquer questão de manter; manufature e jogue no mercado, sem identidade alguma. 

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Lemmons ainda consegue se sair melhor que o anterior, Harriet, que é praticamente indefensável, mas o filme não tem qualquer resquício de personalidade, e nem de respeito. Nem digo em relação à vida privada de Houston, porque isso é do jogo, e até acho que, para um produto de grande estúdio e chapa branca, tudo está bem esclarecido e não há medo de “chocar”, ao menos às senhorinhas que acham que verão “o filme da vida da atriz de O Guarda-Costas”. A falta de respeito (e de carinho, e de zelo) é com o que construiu a estrela Whitney, já dissecada no segundo parágrafos. Com exceção de três canções, os sucessos da cantora – que bateu os Beatles em vendagens e em acúmulo de recordes – são reduzidos e momentos rápidos, muitas vezes reduzidos aos refrões. Lembrando que não é uma produção curta, mas um filme de duração extensa, onde pouco fica na memória; ainda assim, não espaço o suficiente, a correria é livre. 

Um fã que se dedicar a assistir I Wanna Dance with Somebody ficará ainda mais irritado, porque além de não termos Cinema em cena, apenas um apanhado de momentos, não há qualquer exploração da marca que a artista legou ao mundo. Suas músicas não são enfatizadas, todo o pouco que sabemos é informado à distância; não há o lançamento de O Guarda-Costas, mal há os bastidores do filme, não há qualquer festa de premiação do Grammy (onde ela ganhou vários, inclusive Álbum do Ano), não há momento glorioso que não esteja picotado, a reprodução de uma mísera parte e… próximo, vamos em frente. Não há isso, e também não há catarses o suficiente para que possamos argumentar que o filme escolheu explorar a personagem pelo mundo cão. Um filme que é um pouco de tudo acaba por se tornar um monte de nada. 

I Wanna Dance With Somebody
Sony Pictures

Quando não há capricho individual, também não se consegue observar o coletivo com brilho. Dito isso, sabemos que essas produções biográficas são pensadas para premiar seus protagonistas, a talentosa Naomi Ackie (de Lady Macbeth) provavelmente aceitou pensando nos dividendos, mas ela esqueceu de avisar isso à produção, que não pensou em nenhum momento em sua atriz. O filme não gera qualquer espaço para a atriz brilhar, que se limita a dublar Whitney e se maquiar de detonada para os momentos decadentes; é muito pouco, principalmente em um ano tão competitivo como esse. Entre os coadjuvantes, veteranos como Stanley Tucci, Clarke Peters e Tamara Tunie se saem bem melhor, mas o roteiro nem dá espaço a eles, nem os trata com atenção. 

Anthony McCarten, o homem por trás das linhas de A Teoria de Tudo, O Destino de uma Nação, Dois Papas e o já citado Bohemian Rhapsody, só escreveu algo relevante quando partiu do material prévio. Aqui, é mais uma sucessão de equívocos em diálogos artificiais, em desenhos de personagens rasos e insuficientes para que tenhamos qualquer relação com a obra, e desimportância do tratamento geral. Exemplo: Whitney tem um romance com Robyn e precisa terminar porque seu pai a obriga; nesse término, um quebra quebra acontece e na cena seguinte, ambas já viraram melhores amigas e, em breve, a personagem desaparecerá. Porque? Bem, porque o filme assim quis, não te dar qualquer explicação de nada. Sejam bem-vindos a I Wanna Dance with Somebody, e se você é fã de Whitney Houston como eu, podemos lamentar juntos. 

Um grande momento

O clipe de ‘How Will I Know’

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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4 Comentários
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Rubens
Rubens
14/10/2023 21:17

Concordo totalmente com o crítico. Um dos piores filme biográficos que já vi. Pontos sem nós; sem explicação de como uma coisa se transformou em outra e até mesmo passando a impressão de que o marido dela não era tão péssima pessoa como ele realmente foi, sendo de conhecimento público as agressões físicas e psicológicas que ele exercia sobre ela, entre outras coisas. Mas é só a minha opinião. Respeito quem gostou do filme.

Jaqueline
Jaqueline
16/07/2023 14:58

O filme é um fracasso total. Eu que não conhecia muito sobre a vida da Whitney, só conhecia a música, fiquei com muita dúvida sobre o caráter dela. Achei um filme sem pontos assertivos. Um espaço de tempo vago sem boas explicações. Muitos fatos escondidos que poderiam até descartar melhor o que ela passou para que fosse realmente eternizada por um filme. Eu concordo muito com você. E imagino que como uma pessoa que conhece muito sobre ela deve ter se decepcionado bastante com um filme raso desse!

Jefferson
Jefferson
08/04/2023 18:33

discordo totalmente de você Francisco. Uma vida grandiosa dessa, com tantas questões para abordar, em 2:30 em um filme é impossível. Em uma série isso seria diferente.
O filme é ótimo, e como todo filme bibliográfico, conta a história pra quem não conhece. Os experts, não precisam, certo?

Fabio Rocha
Fabio Rocha
26/01/2023 00:03

Simplesmente amei o filme!!

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