Crítica | Festival

In My Mother Skin

Ave mambabarang

(In My Mother's Skin, PHI, SGP, TAI, 2023)
Nota  
  • Gênero: Terror
  • Direção: Kenneth Dagatan
  • Roteiro: Kenneth Dagatan
  • Elenco: Felicity Kyle Napuli, Beauty Gonzalez, James Mavie Estrella, Jasmine Curtis-Smith, Angeli Bayani, Arnold Reyes, Ronnie Lazaro
  • Duração: 97 minutos

De volta à Segunda Guerra, In My Mother Skin retorna a um momento sinistro da História filipina. Não é isso que está em cena, embora seus efeitos afetem tudo o que se dará na trama do terror fantástico de Kenneth Dagatan (Ma). O país foi invadido pelos japoneses e a fome é uma realidade, em todos os lugares e também na casa de Tala e sua família. A menina, sem entender muito bem o que está acontecendo, vê diariamente seu pai ser ameaçado por homem que fornece alguma provisão para que sobrevivam e a mãe está cada vez mais doente.

A trama simples à primeira vista entrelaça os fios da História das Filipinas, e, com elementos muito específicos, vai das origens à colonização espanhola, passando pela catequização; da guerra, com a união aos EUA à invasão após o ataque a Pearl Harbor. Ganância, família e afeto dividem espaço com lendas e mitos ancentrais, de culturas muito distintas que forçosamente agora convivem. Contradições que se refletem e coabitam naquele casarão decadente de onde não se pode sair e para onde ninguém parace ser capaz de voltar.

In My Mother Skin
Cortesia Sundance Institute / Epicmedia

A religião católica está muito presente no longa em orações que se repetem e em símbolos que são adorados e aparecem reconfigurados. A mãe tem aqui uma dupla conotação, e o mal aparece sob a pele das duas, a literal e a figurada. Voltando à tradição, aquilo que Tala acreditava ser uma fada, na verdade era uma mambabarang e, em In My Mother Skin, ela é uma versão estilizada de Nossa Senhora. Com suas cigarras faz suas maldades, entre elas, transformar humanos em hospedeiros do seus insetos, tranformando-os em uma espécie de aswang, ser mitológico tão popular no país, com suas línguas imensas e desejo por sangue e carne fresca. 

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A narrativa fantástica, que também encontra relação em outros símbolos folclóricos e lendários em seu desdobramento, leva a interpretações diversas, mas é curioso ir pelo caminho da desconstrução de signos estabelecidos sobre o apagamento de uma cultura por séculos e séculos de colonização, interferências e invasões. A fé estrangeira ensinada aparecer transformada e associada ao que se estabelecia como mau, e ser relacionada com a origem de um processo de ruína, onde ganância, doença, fome e violência encontraram tanto espaço, é, no mínimo, curioso.

In My Mother Skin
Cortesia Sundance Institute / Epic Media

Enquanto peça de terror, In My Mother Skin tem também várias qualidades. Dagatan não esconde ao que veio e já abre o filme com um aswang em ação. Após o choque da primeira cena, porém, o longa assume uma forma menos intensa. Apostando no tempo dilatado e no suspense da trama humana, deixa que o horror se crie nas sombras e silêncio do local. Neste primeiro momento, se o interior é sinistro, o exterior – já tenso por ser proibido – se entrega ao fantástico, com sons difusos, efeitos inesperados e momentos de delírio.

Há muito interesse em como tudo se constroi e os elementos vão se estabelecendo. A pequena Felicity Kyle Napuli é convincente em sua ingenuidade e desespero, e tem segurança em levar uma trama que, no final das contas, depende tanto dela. É na terceira parte de In My Mother Skin que as coisas começam a se complicar, quando todas as revelações já foram feitas, tudo está explícito e é chegado o momento de impressionar com um horror que talvez não precisasse ser tão literal ou ter sequências tão longas. Ainda assim, tem um final que consegue resgatar sua força.

In My Mother Skin, é um filme envolvente, que permite leituras muito interessantes. Além disso, sabe muito bem o que um terror fantástico precisa fazer para funcionar.

Um grande momento
Na floresta

[Sundance Film Festival 2023]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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