- Gênero: Suspense
- Direção: Jakub Piatek
- Roteiro: Lukasz Czapski, Jakub Piatek
- Elenco: Bartosz Bielenia, Magdalena Poplawska, Andrzej Klak, Malgorzata Hajewska, Dobromir Dymecki, Monika Frajczyk, Cezary Kosinski, Adam Nawojczyk
- Duração: 93 minutos
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Nos créditos de Interrompemos a Programação, a italiana Gala, sucesso no Brasil e na Europa no fim dos anos 1990 e período onde se passa o filme, canta: “as pessoas querem cada vez mais / liberdade e amor / é o que ele está procurando”. De maneira bem didática, “Freed from Desire” encerra um filme onde seus códigos narrativos e as perguntas oriundas de sua trama seguem soltas após seu término, com a canção fazendo às vezes de narrador oculto para as ações que o roteiro apresenta em uma hora e meia. Nas entrelinhas, a nova produção polonesa estreando na Netflix fala sobre tanta coisa que talvez essa explanação musical dê apenas meia luz para os eventos, que permanecem difusos ao seu encerramento.
O jovem cineasta Jakub Piatek estréia em longas de ficção com uma metralhadora apontada para muitos lados, vibrando contra uma infinidade de elementos e deixando em debate problemas de ontem e de hoje, que provavelmente também se transformarão em questões para o amanhã; um olhar mais aguçado diria que a validade desse debate não se esgota. Roteirizado por Piatek e Lukasz Czapski, o filme multifoco ganha força quando encontra a seu dispor a inutilidade do jovem diante da sua voz, do desperdício de oportunidades quando sua perspectiva é nula, e em como essa fatia tende a reverberar uma sociedade alienada no futuro.
A máquina do Estado representada pelo enorme prédio que sombreia o protagonista no plano inicial deixa à mostra como não há ameaça que derrube o sistema, por mais que surja o limiar da violência. A imprensa, que é chamada de “quarto poder”, sempre teve no cinema um aliado para denunciar o quanto pode ser vampiresca a relação entre o jornalismo e as deformidades sociais de qualquer origem, e em Interrompemos a Programação, embora esse não seja o foco principal da narrativa, fica à mostra mais um capítulo de desvios de conduta de um grupo de pessoas interessadas em capitalizar em cima de um potencial escândalo, quiçá uma vindoura tragédia; a atitude final da produtora da rede de TV deixaria a personagem de Faye Dunaway em Rede de Intrigas cheia de orgulho.
Interrompemos a Programação apresenta seu desenrolar narrativo no exíguo espaço que une um estúdio de gravação e uma torre de direção, com pouco espaço fora desse cenário. A direção de arte explora a todo o tempo os monitores exibindo reportagens especiais a respeito da passagem de ano entre 1999 e 2000, data cabalística onde se acreditava em desastres de diferentes ordens, e nesses monitores são exibidos entre outras coisas uma matéria a respeito dos planos de pós-adolescentes para o novo milênio. Suas respostas e o relevo do protagonista Sebastian situa o filme, de maneira bem discreta, a respeito do interesse da produção a respeito da falta de objetivo que, a curta prazo, se transforma em prostração, alienação e comodismo – vide os adultos do filme, que parecem demorar sempre muito mais do que o permitido em situações-limite para tomar decisões que podem definir vida ou morte.
São tantos e tão óbvios erros (da polícia, da imprensa, e mesmo do sequestrador), que apenas os que são cometidos pelo personagem principal têm solução dramática definida, o resto parece só ignorância do roteiro mesmo que não situa as decisões que precisa tomar. Não há qualquer análise interna sobre tais escorregões, até o momento em que o roteiro precisa que esses toques sejam percebidos, o que nunca é uma boa saída para uma produção. Ainda que esteticamente o filme tenha unidade, a narrativa parece entravar a apreciação do campo geral porque submete seus personagens a situações imbecilizantes.
O filme tem um elenco formidável para encenar esse jogo de muitos erros em profusão, porque todos parecem verdadeiramente perdidos em cena, reagindo das maneiras mais estapafúrdias possíveis a situações onde se pediam precisão e objetividade. Bartosz Bielenia, o impressionante protagonista de Corpus Christi, volta a entregar um trabalho de muita profundidade e de fácil identificação empática com suas reações, mas como já descrito, o filme reside em um excesso de motivações que precisariam ser enxugados para que o potencial da produção ficasse mais evidente, e sem inchaço. Apesar da curta duração, o filme incorre em tempos mortos que não significam reflexão e sua mensagem parece, infelizmente, chegar cansada ao espectador.
Todos em cena parecem responder a uma saída para um vazio motivacional, incluindo um dos sequestrados, que faz uma melancólica revelação final em arco que se encerra de maneira ainda mais escurecida (inclusive literalmente), e com isso Interrompemos a Programação parece querer abraçar muitas questões sem distribuir suas camadas, muitas delas embaralhadas em cena. Uma pena, porque o potencial de seu autor é visível, mas poderá ser apurado com o avanço da carreira; em cena, sua juventude talvez demonstra o oposto do jovem que ele retrata, o que cria uma ambiguidade curiosa: nem sonhos de menos nem planos de mais, o equilíbrio é a saída para encontrar a potência na proṕria voz.
Um grande momento
A arma no chão
Fotos: Netflix