Crítica | FestivalMostra de Tiradentes

Irmã

conexão cósmica de meninas emancipadas

(Irmã, BRA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Fantasia
  • Direção: Luciana Mazeto, Vinícius Lopes
  • Roteiro: Luciana Mazeto e Vinícius Lopes
  • Elenco: Maria Galant, Anaís Grala Wegner, Felipe Kannenberg, Marina Mendo, Nicholas Perlin, Otávio Diello
  • Duração: 88 minutos

Fiz meu berço na viração
Eu só descanso na tempestade
Só adormeço no furacão

Quero ser o riso e o dente
Quero ser o dente e a faca
Quero ser a faca e o corte
Em um só beijo vermelho

A canção concretista de Tom Zé é cantada por uma menina de batom vermelho. Em seus 11 anos e talvez um pouco menos, ela canta em um karaokê num bar iluminado por luzes neons. Ela deveria frequentar esse tipo de lugar? Ela é uma criança incomum. Inquirida por um homem velho, se passou o batom para ficar bonita, ela sai andando e fala:
Não. Pra engolir o mundo.

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A metáfora, o escapismo, a maneira superlativa de lidar com uma realidade permeada pela tristeza é o trunfo de Irmã. O singelo filme de Luciana Mazeto e Vinícius Lopes encontra na fábula cor-de-rosa sobre dinossauros, cometas e duas irmãs uma simbiose bonita traduzida em história cinematográfica, que pode ser vista na Mostra de SP.

Irmã, de Luciana Mazeto e Vinícius Lopes

Econômica na pirotecnia estilística, a produção gaúcha é quase que um road movie sobre Júlia, a doce menina do batom vermelho, e sua irmã mais velha, Ana. Elas moram em Porto Alegre mas viajam até o interior para encontrar o pai fujão. Entre mergulhos num lago, beijos, primeiros amores e expedições em museus que abrigam fósseis de dinossauros – como o curioso Dissinodonte, que só andava em dupla para se proteger dos predadores – elas vivenciam um eclipse de seus corações.

“Essa é a toca da santa? Não é a toca da bruxa!” – entre algumas sequências entram cartelas, como que fazendo prelúdios da saga das duas, super bem interpretadas por Anaís Grala Wegner (Júlia) e Maria Galant (Ana). É o carisma da dupla que torna cada plano fechado nas expressões delas, seja cantando ou se maquiando, adornadas pelas tonalidades de rosado espacial, o que faz de Irmã uma delícia. Ensinadas pela mãe a serem autossuficientes, elas logo se estranham com o pai machista, que lida com a tragédia da pior maneira possível, tentando cercear a liberdade das filhas já naturalmente emancipadas.

Irmã, de Luciana Mazeto e Vinícius Lopes

Elas duelam sob os lençóis com sombras chinesas, tornadas em dinossauros ou outros animais da fauna ainda não extintos. Um asteroide passa e as permite escolher que rumo tomar, entre os gritos sônicos da caçula, assustada. São elementos fantásticos combinados num ambiente onírico para lidar com a realidade dolorida que fazem Irmã ser uma amostra imagética da força feminina. Da sagacidade combinada com a pureza de quererem viver fora do jugo patriarcal.

Mas eu tenho ainda um grande amor pra te dar
Quero saber se você aceita ele como for
My love is your love…

Somente elas decidem pelo passos dados rumo ao próprio futuro.

Um grande momento
“Pq tu não me disse?
Eu não quero ficar sozinha”

[44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]

Lorenna Montenegro

Lorenna Montenegro é crítica de cinema, roteirista, jornalista cultural e produtora de conteúdo. É uma Elvira, o Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema e membro da Associação de Críticos de Cinema do Pará (ACCPA). Cursou Produção Audiovisual e ministra oficinas e cursos sobre crítica, história e estética do cinema.
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