Crítica | CinemaDestaque

Jardim dos Desejos

Retrato pela metade

(Master Gardener , EUA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Paul Schrader
  • Roteiro: Paul Schrader
  • Elenco: Joel Edgerton, Sigourney Weaver, Quintessa Swindell, Esai Morales, Eduardo Losan, Victoria Hill, Amy Le, Erika Ashley
  • Duração: 107 minutos

Paul Schrader concebeu uma trilogia sobre homens aparentemente comuns dominados por um passado misterioso e inesperado. Disse ele que as intenções não eram montá-los assim, como um grupo afim, mas a verdade é que Fé Corrompida, O Contador de Cartas e esse novo Jardim dos Desejos tem esse relevo de protagonistas em comum. Sujeitos dedicados a uma atividade específica (o sacerdócio, a compulsão pelo jogo, a jardinagem) que mantém seu passado devidamente nas sombras de onde não deveriam ter saído. De alguma maneira, esses três personagens não são figuras bissextas em sua obra, e provavelmente continuaremos a assistir novas incursões do autor por lados poucos ortodoxos da natureza humana, como já o fazia anteriormente. 

Ao investir em uma fórmula que una as três produções, Schrader conseguiu separar as duas primeiras narrativas de maneira a não desconectá-las. Existem pontos de confluência entre os projetos, eles se encontram e se comunicam sem espelhar seus argumentos, nem reduzir o que está sendo dito com uma percepção repetida. Jardim dos Desejos não consegue ser tão feliz em sua individualidade, porque ele parece não apenas seguir fielmente os passos dos anteriores, como também emula outros roteiros alheios. Ainda que sua visão seja um convite agradável a reflexão em torno da dissolução de uma certa moralidade, dentro de um contexto de leitura de personagem em sua busca por um habitat, suas linhas de costura já não representam tão bem seu conceito. 

O resultado ainda demonstra o vigor de seu autor mesmo depois de tantas décadas. As distribuidoras não parecem muito interessadas em Schrader, já que Jardim dos Desejos é apenas o segundo título do diretor a estrear nos cinemas brasileiros nos últimos 20 anos. No entanto, seu olhar sem maquiagem sobre mundos em ruínas nos faz aproximar da preparação de seu papo de fundo, que aqui não se alonga tanto quanto na obra pregressa de Schrader. O resultado é que o filme tem preocupações demais para se dedicar, e com esse excesso de minúcias, de composições e de intenções, o filme não consegue formar a base do que costuma ser tão importante na obra desse autor; a ligação com a construção de cada protagonista, que nos fornece o exato peso de suas jornadas, aqui se mostra preguiçoso na vontade de desenvolvimento. 

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Existem ritos com os quais Schrader é fiel em suas constituições, e a principal delas é em relação ao esquadrinhamento dos complexos campos por onde a narrativa se enraiza. Dedicado a acompanhar o processo que corre em paralelo à ação narrativa, o mais crível em um projeto como esse é o quanto ele se dedica para parecer didático, enquanto sua elaboração desenha um caminho à parte. Jardim dos Desejos, um filme protagonizado por um jardineiro que metaforiza os acontecimentos de passado, presente e futuro através de sua narração, completando os eventos com seus conhecimentos acerca de flores, se mostra vazio na qualidade do que é composto. O que era uma moldura tão perspicaz no que tinha a dizer sobre seu entorno, aqui soa como um trampolim sem vida. 

Os elencos de Schrader costumam ter concisão milimétrica, e esse é um novo problema para Jardim dos Desejos, que é povoado por “fantasmas”, ou pelo menos uns quatro atores/personagens que não tem o que fazer em cena, a não ser aparecer sem qualquer delineamento vital. Essencialmente são quatro tipos em cena que apresentam traços com algum interesse de leitura, alguns outros são figuras periféricas mais tradicionais de roteiro, mas existe um grupo expressivo de pessoas que simplesmente estão no filme, e não são figurantes, embora devesse. Isso denota que o roteiro precisava de mais tratamentos, e que o material final que vemos é um trabalho menos sofisticado que os anteriores, ainda que seu tom ainda seduza. 

Apesar de toda grife que atesta a marca do diretor como um exímio contador de histórias, o que Jardim dos Desejos também atesta é um possível cansaço, por isso a falta de brilho em detalhes tão cruciais para um autor tão concentrado. Contribuindo para nos lembrarmos do quão grande atriz é Sigourney Weaver, esse é um trabalho sobre trocas de obsessão que não respingou em Schrader. Tudo parece bem após a sessão do filme, mas o desconforto que nos mostra um cineasta reciclado é maior do que os desejos desse autor.

Um grande momento
O almoço entre avó, neta e jardineiro

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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