Crítica | CinemaDestaque

Imaculada

Dos horrores históricos

(Immaculate, EUA, ITA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Terror
  • Direção: Michael Mohan
  • Roteiro: Andrew Lobel
  • Elenco: Sydney Sweeney, Álvaro Morte, Simona Tabasco, Benedetta Porcaroli, Giorgio Colangeli, Dora Romano
  • Duração: 85 minutos

Durante os anos 70, foi cunhada uma expressão entre os filmes lançados, que eram designados assim por suas personagens e a temática em que se tratava – o nunsploitation, filmes protagonizados por freiras (do inglês, nuns) em conflitos com a repressão que sofriam, que podiam gerar desde dramas psicológicos até filmes de gêneros fortes, tanto no terror quanto no suspense. Os Demônios, de Ken Russell, é um dos primeiros exemplares desse grupo, e talvez um dos que mais reverberaram da cena, que tinha seu centro focal na Europa, principalmente na Itália, um lugar repleto de contradições religiosas. Em 2024, dois filmes lançados muito proximamente trazem a expressão de volta às conversas cinéfilas, A Primeira Profecia e agora Imaculada, filme que não parece receber a atenção devida. 

Classificado como terror, não há dúvidas de que os elementos que compõem o gênero estão ali, mas cerceá-lo a essa vertente, sem qualquer vasculhamento de todas as outras demonstrações de força daquelas imagens, é diminuir seu poder de comunicação. Em tempos de discussões ininterruptas (e prementes) sobre o encarceramento da força da mulher, de seu posterior empoderamento e da descoberta de uma força ancestral, da eterna indagação a respeito da liberação do aborto em tantas partes do mundo, Imaculada reflete uma sociedade que passa ao largo das questões presentes em um convento. A partir dos eventos que o filme elenca, tantas são as discussões presentes em cada reflexo imagético que talvez seja necessário comentar sobre de que forma estamos analisando os filmes. 

Seu olhar bem questionador sobre um grupo grande de mulheres, em quantidade superior ao masculino, ainda ser subserviente e dominado por um punhado de homens, é a maneira mais explícita que o filme encontra para difundir sua discussão. A jovem estadunidense Cecilia está prestes a fazer seus votos definitivos e se tornar uma freira em um convento afastado na zona rural italiana, onde não consegue comunicação regular com muitas outras pessoas devido ao idioma. Uma mulher trancafiada em um ambiente com todo tipo de opressão, que se prepara para encerrar seu livre arbítrio após uma série de violências em sua terra, é o ponto de partida para que Imaculada verse sobre, enre outras coisas, como a agressão sexual é uma forma ancestral de controle e demonstração de poder. 

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Depois do desastroso Observadores que o diretor Michael Mohan dirigiu igualmente protagonizado pela novíssima estrela Sydney Sweeney, era de se imaginar que nenhuma esperança fosse colocada na conta dele. Ao sair dessa sessão, nossa sensação de encontro com algo muito poderoso é tão forte que não é exagero cogitar assistir a seu título anterior para constatar que se tratava realmente de um erro. Quando o arsenal gráfico de Imaculada começa então a explorar os códigos do gênero, fica claro que a opção do diretor por tornar abundante sua violência, é mais um caráter de ambiguidade que a obra em questão demonstra ser capaz de alcançar. O sangue, no feminino, tem determinada significação que o corpo do homem não alcança; para ela, pode significar um período de mudanças e descobertas, enquanto que para ele invariavelmente simboliza apenas dor.

Driblando as possíveis armadilhas de parecer misógino, Mohan encontra o tom ideal para demonstrar, nos dias de hoje, que além da sororidade, cada mulher ainda precisa muito de uma demonstração sobrenatural de força de vontade para escapar do horror. Imaculada é um retrato sem retoques a respeito do que homens ainda se acham capazes de fazer por algo que eles consideram maior, sem levar em consideração nenhuma outra opinião além da sua. Não é pouco vindo de um filme que poderia ser simplesmente vendido como um produto de gênero a mais estreando no fim de semana, e que acaba adentrando espaços de contestação, estética que abraça esse cinema carnal dos anos 70 aliado a um olhar absurdamente atual, que o livra de acusações de leviandade, com qualquer gênero. 

Com um elenco muito aplicado que tem na forte presença de Benedetta Porcaroli (a bela jovem atriz de 18 Presentes) um trunfo entre os coadjuvantes, Imaculada ainda tem a demonstração de que esse é o momento de sua protagonista. Sweeney errou esse ano em Madame Teia, mas está em um dos últimos grandes sucessos do cinema (Todos Menos Você) e provou seu valor ao bancar essa produção, que parecia fadada ao esquecimento. Sai ilesa de um ano que tem seu nome marcado, e demonstra aqui a autoridade que estão atribuindo a ela – uma jovem atriz disposta a desafios como esse, de expor-se ao horror gráfico de maneira que poucos hoje o fazem. O futuro será bem mais feliz a Sweeney e a Imaculada

Um grande momento

A primeira reação forte de Cecilia.

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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