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Jogos de Amor

Armar o amor

(Players , EUA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Comédia Romântica
  • Direção: Trish Sie
  • Roteiro: Whit Anderson
  • Elenco: Gina Rodriguez, Damon Wayans Jr., Tom Ellis, Augustus Prew, Joel Courtney, Liza Koshy, Ego Nwodim, Marin Hinkle
  • Duração: 100 minutos

O título original dessa estreia da Netflix, ‘jogadores’, não traduz muito bem sobre o que exatamente Jogos de Amor trata. Não que a versão em português seja perfeita, mas ele consegue abranger e transformar em ‘esporte’, com equipe e tudo, uma ideia que, na teoria, é algo nada agradável – e na prática, todo mundo faz, deliberadamente ou não. O processo de conquistar alguém é cheio de meandros, vontades que não podem ser reveladas de cara e esquemas de ceder só quando o outro também ceder, entre muitas outras coisas; o tal ‘jogo’, ou ‘joguinho’. É exatamente dessa prática que trata o filme, que vai perfurando esses modos coletivos para que percebamos o quanto isso tudo é vazio e inapropriado, pelo tanto de tempo que você pode gastar com essas estratégias. 

Trish Sie é a diretora do muito simpático Bares, Bolos e Amizades e aqui ela defende uma história que abre mão de suas explicações-padrão para se concentrar em um grupo de pessoas que sabe muito bem o que está fazendo, conhece as regras daquele universo, e o espectador que corra atrás. É ousado, sem dúvida, principalmente se levarmos em conta que esse não é um título para culto, e sim para consumo veloz do público de streaming. Com isso em vista, é de admirar que o filme aposte tanto na sagacidade do público, que não precisa de inteligência avançada para compreender nada, e sim sacar que os detalhes não fazem diferença no campo que é mostrado, que é um grupo de amigos interessado apenas na concretização da paquera uns dos outros, podemos dizer assim. 

O problema acontece quando nossa protagonista, a Mack vivida por Gina Rodriguez (de Jane the Virgin e Awake), percebe algumas coisas a respeito da própria vida: 1) já não tem mais 20 e poucos anos – na verdade, já passou dos 30…; 2) sua estabilidade no emprego está indo por água abaixo; 3) é vazio transar, transar e transar, e não ter ninguém ao lado. A partir dessa ideia, Jogos de Amor parte do princípio que a construção do amor pode ser pré-programada, não precisando necessariamente do encantamento do primeiro encontro ou da paixão avassaladora. Ela encontra um ‘cara ideal’ de fato, e decide investir em concretizar esse relacionamento, e para isso sua equipe de ‘paqueradores profissionais’ precisa encontrar um plano que vá além da ‘ficada de uma noite’, e eles percebem que não fazem ideia de como montar um quadro que chegue no lugar da permanência – ou seja, um namoro. 

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Além disso, o filme investiga um espaço do esvaziamento das profissões propriamente ditas, que estão sendo substituídas e suprimidas gradativamente dos grandes espaços de convivência para uma gradual concentração. Mack é uma jornalista de esportes locais, que sabe estar com os dias contados em sua área – ou ela avança para novas frentes, e se desafie por completo, ou seu lugar será história. No meio dessa discussão, Jogos de Amor também rivaliza os prós e contras de ser mais ou menos pessoal em sua área de trabalho. O que caracteriza a nossa personalidade no que fazemos? Um jornalista assistindo a outro ser desestimulado em suas características pessoais, e isso ser adicionado à narrativa na forma como a protagonista abre mão de suas verdades para conseguir alcançar uma meta, é uma maneira muito perspicaz de apontar que somos a nossa verdade, e ela precisa prevalecer. 

O principal problema de Jogos de Amor já apontado, que é também um grande diferencial, é a sua confiança não apenas no que está sendo apresentado, mas principalmente no que está por trás da visão. Ainda que seu desfecho seja claro ali pela metade do que está sendo contado, isso não é um defeito, porque existe a impressão de que temos uma informação que os personagens ainda não tem, estamos à frente deles. Fica a sensação constante de que estamos mesmo diante dos acontecimentos tendo acesso privilegiado aos eventos e aos sentimentos, e essa cumplicidade com o espectador é uma ideia muito boa para se aproveitar. Dessa forma, se compra mais do que a simpatia de quem está assistindo, mas também temos a ideia de que uma espécie de carinho coletivo é compartilhado conosco. 

Ao contrário do seu filme anterior, Sie não coloca relevo de textura nas imagens aqui. Ela confia no olhar para o roteiro de Whit Anderson, um novato que tinha no currículo alguns episódios de Ozark e Demolidor. A química entre os dois é tão verdadeira quanto a dos atores do filme, porque acreditamos realmente na força daquela amizade, que acredito ser sua força motriz, muito mais do que os aspectos românticos. Detalhe em como é bem tratada a personagem de Liza Koshy, que deveria ser aquela típica com função de apresentadora de universo e… não faz nada disso. Daqueles raros momentos onde um produto desses bem rodados alcança o necessário para apertar os botões certos, Jogos de Amor é uma delícia que merece ser descoberta. 

Um grande momento

A reunião entre Mack e a equipe onde é revelada a verdade a ela

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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