Crítica | Streaming e VoD

Ladrões

Adrenalina emocional

(Caught Stealing, EUA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Aventura, Policial
  • Direção: Darren Aronofsky
  • Roteiro: Charlie Huston
  • Elenco: Austin Butler, Regina King, Zoe Kravitz, Griffin Dunne, Matt Smith, Vincent D'Onofrio, Liev Schreiber, Nikita Kukushkin, Yuri Kolokolnikov, George Abud
  • Duração: 105 minutos

Do ponto de vista dos fatos, A Baleia é um dos mais bem sucedidos filmes da carreira de Darren Aronofsky. Indicado a muitos prêmios em uma temporada disputada, o filme ganhou muitos prêmios importantes e encerrou sua caminhada com dois Oscars, ao ressuscitar a carreira do redivivo astro Brendan Fraser, em interpretação polêmica. Ainda assim, trata-se de um filme problemático em suas representações arquetípicas, que ocupa um espaço inglório dentro de uma filmografia que vinha se mostrando mais errática do que ele gostaria de admitir. A estreia de Ladrões representa um sopro de renovação dentro de um cinema que parecia estar se pautando por uma ousadia que esbarrava no mau gosto, e um olhar que parecia menos conectado a uma construção de cinema e mais propenso à vazias recepções midiáticas. 

Quando vivemos na contemporaneidade de uma carreira, a ordem das estreias podem ser definidores de um olhar mais compreensivo por um lado, ou mais exigente sob outro prisma. A experiência em Ladrões representa algo inédito para Aronofsky, um autor conectado em ver a obsessão como norte narrativo de seus personagens. Aqui, talvez a obsessão seja descolada dos atos protagonistas, para se ocupar do entorno dele, e passo a passo o enredar em uma espiral de tragédias e horrores que parecem não ter fim. Essa é uma colocação situa enfim o próprio Aronofsky como o agente desse caráter obsessivo, assumindo para si o que já percebemos desde Pi – os protagonistas de seus filmes apenas refletem um grau obsessivo que é herdado pelo dono das marionetes, e que dessa vez pode manter o olhar para dentro de suas próprias escolhas e impulsos. 

Se parte de uma atmosfera solar, quase uma experiência festiva ininterrupta em muitos motivos, Ladrões não demora a codificar códigos de tensão em suas imagens, e com isso abandonar tal leveza para se dedicar a um desespero tão sensível, que se sobressai estampado no rosto de seu protagonista por muito tempo. É como acordar de uma noite regada a álcool ininterrupta, para uma ressaca inacreditável – momento esse que o filme reconhecidamente tenta reproduzir, no plano e em uma certa imersão do espectador. Estamos diante de um personagem que precisa ir além da mensagem subliminar para compreender que seu ritmo de vida extrapolou o risco, e qualquer um que tenha estado em lugar minimamente parecido vai entender que Aronofsky talvez queira mais do que a catarse, ainda que ela seja seu foco principal. 

De alguma maneira, o diretor está fazendo seu equivalente a um Depois de Horas (e Griffin Dunne não está no elenco à toa), onde o perigo esteja em rota de crescimento exponencial. Ao lado do parceiro de sempre Matthew Libatique na fotografia, Aronofsky filma a Nova York mais suja de 1998 com muita propriedade, com um domínio espacial sobre o que o espectador precisa saber, e em que condições cada informação precisa ser apresentada. Ainda que filme de maneira aparentemente leve, sem a presença constante da noite, esse é um lugar que o diretor parece conhecer bem, tendo vivido nesses espaços com a idade próxima ao seu personagem central, mas com uma visão mais esperançosa em relação ao futuro. Porque o cineasta não esquece a tragédia e a culpa que bate à porta dele a sombrear um mundo de fachada, que é enfim quebrado por uma pulsão de vida real que o arremessa de volta à sensação de desamparo que ele pretendeu fugir. 

De alguma maneira, o thriller que assistimos é o thriller possível saído da cabeça de Darren Aronofsky, ou seja, um filme repleto de um senso de urgência emocional, que se constrói com base superior à uma adrenalina padrão. Ok, isso parece com aqueles discursos patéticos de ‘pós-horror’, ou de recusa ao seu gênero de origem, que é algo que Ladrões nunca se recusa a ser. O espectador de consumo rápido vai sair da sessão tão saciado quanto aquele que recorda estar diante do cineasta de Cisne Negro e O Lutador, porque esse é um filme que, como dito acima, é uma bem sucedida empreitada de seu autor em se desvencilhar dos tempos óbvios onde ele parece perseguir projetos cerebrais. Mas ele o faz aqui a partir da imagem, porque é ela quem fornece os principais argumentos de aproximação do que vemos a uma experiência caótica na direção da perda de possíveis últimas tentativas de alcançar redenção. 

Com um elenco onde se misturam rostos conhecidos com tipos menos testados, é o rosto central que exemplifica todo o amálgama de intenções de Ladrões. Austin Butler surgiu para o grande público na impressionante corporificação de Elvis, e desde então ele sempre demonstra ter mais potencial que lá. Como o protagonista de Aronofsky, ele encarna as camadas de seu personagem e filme, que dividem as mesmas conotações – e como já dito, seu rosto invade a tela para preencher cada possível dúvida de entendimento narrativo. Seja na angústia atroz que carrega, no sofrimento onde esbarra, na fúria que se aplaca em determinado momento, na saudade de um tempo que ele mesmo foi responsável por encerrar, Butler é um nome da novíssima geração que tem a dizer através da expressividade que seu diretor, como sempre, é hábil em arrancar de seus atores. Junta-se a Fraser, Natalie Portman, Mickey Rourke, Jennifer Lawrence, Ellen Burstyn, Jared Leto, Marisa Tomei e Jennifer Connelly em um grupo que teve a sorte de ser moldado por um cineasta em inquietação contínua. Aqui, encontra uma paz que há muito não evocava de sua cinematografia.

Um grande momento
A festa de casamento

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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