- Gênero: Documentário
- Direção: Paul Rigter
- Roteiro: Paul Rigter
- Duração: 74 minutos
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Veja online:
O mundo está sofrendo.
O mundi está em luto.
Mas mantemos a esperança
Na tradição iorubá a morte é vista como um rito de retorno, devido à existência de um momento ancestral que é anterior a essa vida; logo é a ideia de que a matéria retorna para o lugar original que é a terra que mantém os corações daqueles que estão lidando com a perda, exultantes pelo retorno ao lar ancestral. Longe de ser o foco central mas certamente a parte mais interessante e forte de Lidando com a Morte, documentário holandês ganhador do IDFA e selecionado para a Mostra SP deste ano, o rito africano é perpetuado pela comunidade ganesa que vive em Amsterdã – mais especificamente em Bijlmer, bairro que comporta guetos de várias etnias e onde atua a empresa de serviços funerários Yarden.
A estratégia de abordagem parte da premissa de que a empresa quer se adequar as diferentes culturas e seus ritos funerários para oferecer serviços mais condizentes. Quem conduz essa narrativa é a personagem de Anita Van Loon, empresária e sócia da Yarden.
O meme dos carregadores de caixão dançarinos (chamados de pallbearers) da cidade de Acra, capital de Gana, tomou a internet em 2020 e é um dos símbolos fortes de uma cultura que lida com a morte de uma maneira muito distinta a que é comum no ocidente. “Há salas com cozinha integrada nessa sala aqui. E como esse centro funerário fica numa zona industrial, pode fazer barulho. Os ganeses podem dançar”, comenta Anita com um funcionário da empresa.
O ponto interessante de Lidando com a Morte, que se tivesse sido melhor inserido na narrativa, elevaria a potência do filme é a própria situação pessoal de Anita. Ela planeja o funeral do pai, doente terminal e a cena onde discute com ele como gostaria que fosse o velório tem uma carga emocional grande ainda que, para nós brasileiros, seja estranha a frieza com que se trata a situação. Mas a dicotomia presente na edição do filme, entre o espanto com a forma que ganeses ou indianos lidam com as cerimônias de despedida desse plano e a polidez dos holandeses lidando com suas próprias perdas não tem o impacto esperado.
“A doença deveria ter vergonha de si mesma”
Mas é uma sacada interessante a do documentarista Paul Sin Nam Rigter de traçar um paralelo entre o funeral do holandês – pai de Anita – e do ganês numa sequência de mais de 10 minutos de duração. As conversas indolentes e banais que se sucedem, com as próprias filhas (Anita e a irmã) elogiando a beleza do caixão ou do jazigo me contraponto ao choro de desespero, gritos e depois pulos e danças – sempre citando o morto, seus feitos e lembranças – dos ganeses são lados prismáticos de um espelho que explícita o quanto de involução espiritual envolve aqueles ditos como mais civilizados e modernos.
Nesse sentido, Lidando com a Morte eleva o ânimo, porque o funeral para os imigrantes africanos é o momento de celebrar aquele que está fazendo a passagem, permitindo ainda que as famílias se conectem e festejem a vida do ente querido por até sete dias – e em Amsterdã não seria diferente. O documentário abre com ganeses com as vestes brancas, pretas e vermelhas, com adornos de ouro, se organizando para iniciar o “festejo funeral”.
Anita, à medida em que vai travando contato seja com os marroquinos muçulmanos que querem apenas alugar o caixão e fazer tudo do seu modo e na Mesquita, e com os indianos que tem um ritual extremamente complexo e cheio de etapas que envolvem dispor ervas em várias partes do corpo do defunto até uma disposição específica das imagens das principais entidades hindus, nota que respeito é uma parte inegociável do serviço que presta.
Se as ganesas precisam de banheiros maiores pada vestir as roupas enormes e cerimoniais, porque não atendê-las? Mas acostumados com recepções funerárias contidas e rápidas os outros gerentes e sócios da Yarden hesitam em fazer mudanças ou melhorar a estrutura já que a garantia de que o investimento seja compensado não existe.
Seguindo uma construção quase que linear, Lidando com a Morte mostra funerais, negociações e as próprias inquietações de Anita, que em determinado momento chega a confessar que há “um entusiasmo ingênuo e não um interesse genuíno” na diversidade dentro da Yarden.
Dois anos depois, o filme reencontra Anita e uma discussão com a irmã sobre eutanásia é encarada com muita naturalidade. Ela não quer ficar senil como o pai e tampouco quer ter um funeral, prefere a cremação. Do fascínio com a morte a maneira com que os imigrantes lidam com ela, passando pelo luto, Anita sofre uma transformação.
Lidando com a Morte fica no limiar do que seria um mergulho sociológico profundo ou um estudo de personagem. Não faz nem uma coisa nem outra com a presteza que se esperava mas ocasionalmente provoca boas reflexões e brinda o espectador com momentos como o que o pastor dos molukos – imigrantes indonésios – conta que eles vivem na Holanda com direito à restituição pelos danos sofridos durante o período da colonização e que também honram diariamente por meio da defumação seus antepassados assassinados.
“Um defunto sem um funeral é menos do que um natimorto”, declama a ganesa. Entre choros e risadas, o farfalhar das belas vestimentas pretas e vermelhas homenageiam o ente que se foi com toda a pompa devida. Mas fica como um registro documental das diferentes formas de lidar respeitando os costumes de cada um esse Lidando com a Morte.
Um grande momento
A escolha da música “meu abrigo é você”