- Gênero: Ficção
- Direção: Gabriela Alcântara
- Roteiro: Gabriela Alcântara
- Elenco: Mohana Uchôa, Aurora Jamelo, Ander Beça, Carlos Eduardo Ferraz, Aninha Martins, Tanit Rodrigues, Zora Coleto, Gustavo Patriota
- Duração: 21 minutos
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Caia é bem resolvida, independente, linda, cosmopolita, eu diria – em muitos pontos, ela me lembra a Jayane de A Matéria Noturna, ambos presentes nessa edição do Olhar de Cinema. Duas mulheres jovens, que têm um mundo pela frente, e que de repente se entravam pelo mundo exterior, lá um encontro amoroso, aqui um mergulho em representações metafóricas de racismo, um abraço no horror psicológico e uma abertura para o machismo que emoldure esses temas. Quando Chegar a Noite, Pise Devagar carrega uma profundidade que extrapola sua duração e reverbera na cabeça do espectador para muito depois da exibição, com seus signos.
Gabriela Alcântara e sua experiência acumulada em inúmeras funções do cinema faz enfim sua estreia na direção com a segurança de uma veterana, sabendo exatamente que história contar, de que forma, o que alcançar com sua voz. Essa inquietação pessoal/social que o filme mostra é a tradução de um desassossego pelo qual inúmeras mulheres nas grandes cidades passa, e o lugar que a diretora aponta é a da construção de um suspense que se constitua de uma realidade muito latente que provavelmente já foi experienciado por ela.
Nas ruas por onde Caia percorre, uma rede de insegurança a persegue e se embrenha dentro da sua casa, nas suas paredes, como se um cerco fosse fechando ao seu redor. A figura de um vizinho intermitente em convites e propostas não apenas abala seu relacionamento, como representa uma invasão literal aos seus espaços. Essa presença insidiosa acaba por abrir uma brecha fantasmagórica e que se reveste por elementos absolutamente tradicionais de opressão feminina. Aos poucos, um quadro geral de destituição de liberdades individuais se transforma em horror concreto.
Em apenas 20 minutos, Alcântara exemplifica como a figura da mulher ainda hoje está presa a configurações de assédio, transformadas na mais frequente representação do cinema de gênero, quando a protagonista passa a ser constantemente assombrada, confundindo os estados de consciência entre a realidade social de coação e a ilusão de uma assombração permanente e histórica contra o corpo da mulher negra. O que a diretora tenta recriar é, dentro desse espaço tradicional do cinema, uma resposta a respeito da violência verbal e física cometida diariamente contra o feminino, que repercute no resultado pretendido e alcançado.
O resultado é um produto envolvente, com o ritmo definido pela montagem afiada de Matheus Farias, com uma ideia que não é necessariamente nova, mas executada com muita confiança, que conta com a presença de Mohana Uchôa no papel central desempenhando um lugar que infelizmente não cessou dentro do universo das mulheres, em qualquer etnia. Quando Chegar a Noite, Pise Devagar ainda conta com um comentário antirracista, embebido na memória escravagista; o desejo pela mulher negra é desenhado pela ideia de posse que o homem branco pensa ter direito. A sororidade e o abraço às raízes ancestrais definem o tom de revanche que o filme insere com cuidado, sem perder o impacto.
Um grande momento
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