Crítica | Festival

DNA

Padrões familiares

(ADN, FRA, ALG, 2020)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Maïwenn
  • Roteiro: Mathieu Demy, Maïwenn
  • Elenco: Fanny Ardant, Louis Garrel, Dylan Robert, Marine Vacth, Caroline Chaniolleau, Alain Françon, Florent Lacger, Henri-Noël Tabary, Omar Marwan, Maïwenn, Anne Berest
  • Duração: 90 minutos

Assistir a DNA, ter uma família grande e ruidosa, e não se identificar: tente e falhe miseravelmente. Como se encontrar com inúmeras pessoas conhecidas, em vários momentos de fácil identificação, esbarrar em acontecimentos de proximidade ampla, essa é a tarefa do novo filme da cineasta e atriz Maïwenn, que foi selecionado para o Festival de Cannes do ano passado (aquele versão somente de apontamentos) e não teve a estreia que merecia devido à pandemia, e por isso perdeu a oportunidade de criar esse reflexo muito palpável com o que de mais íntimo – e também o mais explícito – sobre o céu e o inferno das relações familiares.

Responsável pelos belos Polissia e Meu Rei, dois filmes absolutamente diferentes em matéria-prima, em força motriz, mas ambos dotados de extrema sensibilidade para ocupar seus universos com profunda humanidade, Maïwenn usa sua ascendência argelina para costurar os laços familiares da sua família da ficção. De tessitura muito sensível, o que está em cena é a conjugação de valores que parecem perdidos vez por outra, mas que se reconhecem quando se veem. A diretora, já versada no tema em seu primeiro longa como realizadora, retorna ao coração familiar também desdobrando as raízes étnicas que fortalecem o todo.

DNA

DNA gira em torno da espinha dorsal nuclear desse grupo, o patriarca que ainda os une, apesar de tudo. Porém, o luto se faz presente, para também trazer à tona as múltiplas ranhuras que o grupo apresenta em conjunto, e cada uma das diferenças particulares apresentadas também. Muitas das questões micro apresentadas em cena não têm muito detalhamento, e ao contrário do que se imagina, isso é positivo narrativamente; é o espectador olhando pelo buraco da fechadura, e acompanhando o desenrolar daqueles eventos a partir dos conflitos já estabelecidos, sem didatismo prévio. Não há muita explicação sobre cada um dos eventos – alguns são fáceis de assimilar e compreender, outros não. E seguimos assim.

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Direção e roteiro (o segundo, em parceria com Mathieu Demy – exatamente, filho de Jacques e Agnes Varda) seguem em sintonia com a proposta naturalista, abordando aquele núcleo agigantado com igual equilíbrio e importância, a despeito do protagonismo da realizadora. DNA não compra nenhuma voz como a representante da razão, e esse é um dos sucessos da empreitada. O olhar igualitário em mise-en-scene e em texto a cada elemento cênico não apenas é generoso, como acertado para a qualidade do material final – estamos diante de uma família e seus desacertos, suas disparidades, seus histórias particulares que afetam uns aos outros em camadas.

DNA

Fotografia e trilha sonora (a cargo do vencedor do Oscar Stephen Warbeck, de Shakespeare Apaixonado) compõem o poema visual que Maïwenn construiu com extrema delicadeza, com os toques suaves do compositor envolvendo os sentidos em tela. Não há uma tentativa documental de filmar aquelas pessoas em seus habitats emocionais, mas também não caberia um excesso de floreio a uma produção tão direta. Com suavidade e luminosidade, o jovem Sylvestre Dedise emprega o coloquialismo tão incisivo do texto a serviço da construção de sua diegese; todos os elementos parecem convergir em ponto comum, de respeito às raízes e profundo entendimento entre as diferenças.

Demolindo nossas certezas a cada novo encontro entre seus elementos, DNA não se apresenta com facilidade a suas afetividades. Odiamos quem amamos e vice-versa, a um ponto de não conseguirmos separar uma coisa da outra, mesmo que o sangue que corre entre os seres provinha da mesma fonte. Agredir e acarinhar estão pareadas e não se excluem; assim é a vida em família, um celeiro de descobertas de novos propósitos, novas diretrizes e contínuos atos de paciência, resignação e amor. Não é fácil mesmo amar quem nos faz mais mal que bem, e na maior parte das vezes não somos obrigados a nada, que não apenas uma ligação convencional. A vida constrói o caminho e o real valor dos sentimentos; que sempre serão difusos.

Um grande momento
O sonho de Neige

[Festival do Rio no Telecine]

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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