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A Ausência que Seremos

Os cinco As

( El olvido que seremos, COL, 2020)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Fernando Trueba
  • Roteiro: David Trueba
  • Elenco: Javier Cámara, Nicolás Reyes Cano, Juan Pablo Urrego, Patricia Tamayo, Maria Tereza Barreto, Laura Londoño, Elizabeth Minotta, Kami Zea, Luciana Echeverry, Camila Zarate, Whit Stillman, Laura Rodriguez
  • Duração: 136 minutos

O mundo lança esse filme pelo menos umas três vezes por ano, todos os anos. A essa altura, já não sabemos ao certo quem pela primeira vez trouxe a fórmula “o mundo visto pelos olhos de uma criança” para a tela, mas já tivemos de Ingmar Bergman a Cao Hamburguer pilotando esse foguete, geralmente produções que se relacionam com seus autores de maneira direta e emocional. Em A Ausência que Seremos, que acaba de estrear na Netflix, trata-se da história da família Abad, cujo pai Hector é uma das figuras centrais na luta contra a ditadura e a violência civil na Colômbia durante 20 anos.

O diretor espanhol Fernando Trueba, vencedor do Oscar de filme internacional por Sedução, vai até a América Latina para contar uma passagem trágica de sua história, mas escolhe olhar para os afetos, para a ramificação de sentimentos que o filme transborda, para o modo como aquela família constitui seu carinho mútuo e irrestrito, e como cada cena é costurada por compreensão absoluta de cada um de seus integrantes, abdicando dos conflitos que formaram aquele núcleo e existem em qualquer núcleo familiar, para filmar o amor que os unia, e que de tão transbordante justifica sua passagem mais dolorosa, de aparência tão absurda.

A Ausência Que Seremos
Divulgação

Trueba já tem essa característica conciliatória e apaziguadora tradicionalmente em sua obra, que trafega por lugares mais contemplativos em busca de doçura. Se essas escolhas foram feitas pelo próprio diretor, ou se chegaram até ele graças à natureza dos Abad, há de se observar o casamento adequado conseguido aqui entre intenção e realização. Mesmo distante de seu país, o diretor capta não apenas um tempo como também uma gama de relações que são apresentadas sempre com um misto de sutileza e intensidade, para criar o vínculo emocional entre seus personagens e que essas sensações fossem maiores que a tela.

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É imprescindível para isso que não apenas a direção de arte impressione pelo realismo, que as referências encham o filme de camadas (Morte em Veneza ser assistido mais de uma vez acende um questionamento levantado antes dele ser citado em cena), que a trilha do genial Zbigniew Preisner (colaborador de Kieslowski por anos, incluindo na Trilogia das Cores) pontue delicadamente as ações e não se sobrepunha sentimentos já facilmente reconhecíveis. Era necessário que o texto do irmão de Fernando, David (diretor de Viver é Fácil com os Olhos Fechados), captasse e encapsulasse um tempo e uma distinção familiar, um recorte específico que soasse crível e abarcasse possibilidades sem entulhar o filme.

A Ausência Que Seremos
Divulgação

A cereja do bolo servindo em A Ausência que Seremos é mais uma espetacular performance de Javier Cámara. Dos grandes atores espanhóis da atualidade, Cámara já tinha uma carreira bem sucedida antes de Fale com Ela, mas com Pedro Almodóvar ele conseguiu um status mundial e de lá pra cá não se cansou de impressionar. Aqui, ele povoa de desvelo e cuidado uma interpretação que é modulada pela marca da bondade; se eventualmente sua voz se eleva, Cámara acentua no próprio filme uma necessidade de urgência por baixo da mansidão que envolve a vida do médico e antropólogo, dando credibilidade a um recorte que poderia parecer piegas e dele só vaza verdade.

Ainda que o filme não abra uma discussão imagética marcante ou revigorada sobre uma fatia cinematográfica que de vez em sempre dá as caras em filmografias de países múltiplos, A Ausência que Seremos tenta angariar pontos através da demonstração de afeto tão evidente entre seus personagens, circulando e justificando cada passo da narrativa na direção de sua tragédia final. Pena que o filme não adentre tanto na voz do seu patriarca para que o espectador compreenda a abrangência de sua luta, já que a “criança que observa os adultos” acaba crescendo bem antes do final e o filme ganha então um caráter mais amplo.

Um grande momento
A agulha esterilizada

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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