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Mallandro: O Errado que Deu Certo

Mitos malandros

(Mallandro: O Errado que Deu Certo, BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Marco Antonio de Carvalho
  • Roteiro: Pedro Antônio, Sylvio Gonçalves, Sérgio Mallandro
  • Elenco: Sérgio Mallandro, Marianna Alexandre, Guilherme Garcia, Marino Rocha, André Mattos, Zéu Britto, Cézar Maracujá, Theo Peres, Leo Castro, Xuxa
  • Duração: 101 minutos

Não sei o que é mais extravagante, se pensar em uma biografia de Sérgio Mallandro para os cinemas ou se imaginar o mesmo personagem se aventurando em uma paródia de metalinguagem, quase como o Jean-Claude Van Damme fez no brilhante JCVD. Para o bem ou para o mal, Mallandro: O Errado que Deu Certo é a segunda opção, o que mostra que alguns projetos surreais podem mesmo sair do campo das ideias e ganhar atenção de algum produtor. Mas existe algo ainda mais inacreditável no que iremos ver aqui, e não se trata de uma qualidade insuspeita; talvez esse conceito estático qualitativo, de bom ou ruim, não caiba de ser aplicado no projeto. Dito isso, uma parcela razoável de cada espectador pode sim se ver tentado a encontrar nesse projeto um propósito, e com isso acabar atirando-se em uma espiral de curiosidade. 

O filme é a estreia na direção de longas de Marco Antônio de Carvalho, profissional responsável por algumas séries de tv que, assim como grande parte dos realizadores brasileiros, em 2024 terá dois filmes lançados – o segundo é Tudo por um Popstar 2. Julgando pelo que vemos aqui, e sabendo que igualmente lá trata-se de um filme de produtor, Carvalho é um novo contratado para projetos cujo esforço na realização seja praticamente nenhum. Mallandro: O Errado que Deu Certo se baseia em uma ideia e é a ela que o filme cria dependência, deixando a produção como um todo sem qualquer arranjo estético. Na nossa frente, um grupo de esquetes tenta criar um laço com uma narrativa mais dramatizada, e os resultados nunca deixam de demonstrar o nonsense da coisa toda. 

A tentativa da produção é obviamente nos fazer conectar com “o homem além do mito”, e no caso esse “mito” seria Mallandro. O artista surgiu há mais de 40 anos, como um cantor que lançou alguns poucos hits, mas que inexplicavelmente nunca saiu de cena. Tentou ser ator (com enormes sucessos como Lua de Cristal e Sonho de Verão, entre alguns outros, na carreira), tentou ser apresentador, e nessa toada estamos com sua presença há 4 décadas. Mallandro: O Errado que Deu Certo teria como função tirar de seu protagonista o que o tornaria motivo de chacota para tantos, por ter uma carreira inexistente. Na ânsia de desconstruir essa imagem, o filme acaba fazendo o oposto do que pretendia, que é reforçar os estereótipos que o assolam. 

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Se Sérgio Mallandro é alguém muito maior que os “glu-glu” e “ié-iés” que transformou em bordão, porque o roteiro do filme mostra que sem eles, ele não é ninguém? Não acho, no entanto, que isso seja uma armadilha para Mallandro: O Errado que Deu Certo, porque Pedro Antônio e Sylvio Gonçalves são roteiristas muito experientes e sabem o que estão disseminando. O que cria uma camada de bizarrice que pareceria proposital ao projeto, um título fora do comum que se ancora em algo que parecia decretar seu despropósito. No entanto, é isso que transforma o filme em algo honesto e transforma suas contradições em uma abordagem até corajoso de alguém que nunca se reinventou, e pelo visto, isso não mudou nada para sua essência. 

Os momentos onde o protagonista está na companhia de seus filhos, muito bem vividos por Marianna Alexandre e Guilherme Garcia, são os pontos altos de um filme que parece não fugir de seus problemas, e sim exibi-los com gosto – talvez porque esse seja o mote de seu personagem-título. Quando precisa lidar com os problemas reais (reais?) que foram criados por sua persona, ao lado dessa dupla talentosa, Mallandro: O Errado que Deu Certo nos mostra uma possibilidade de encontro. A dupla vivida por Zéu Britto e Cézar Maracujá (sempre ele, ajudando projetos menos afortunados que seu talento imenso) é outro ponto alto da produção, que respira através dessas cenas esporádicas onde seu protagonista acaba sendo coadjuvante do talento dos outros. 

Por fim, também se mostra desafinada a guinada que o filme tenta promover na direção do drama de superação emocional, criando junto ao igualmente talentoso Leo Castro um ponto onde o protagonista se mostre vulnerável e crie empatia no espectador. São trilhos forçados que nada contribuem para o andamento comum da produção, em mais um escorregão de um projeto sempre curioso e pouquíssimas vezes justificado. Como já tinham mostrado as investidas anteriores do artista no cinema, Mallandro: O Errado que Deu Certo é mais um objeto não identificado da nossa filmografia, como um feito enigmático de uma personagem ímpar da cultura nacional. 

Um grande momento
As conversas de Mallandro com seus filhos

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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