Não há nada no mundo melhor do que assistir a filmes. Quanto mais diferentes daquilo que já conheço, melhor. Por isso, não existe época melhor do que o segundo semestre, quando temos oportunidade de assistir a coisas que simplesmente não teríamos como ver se não fossem os principais festivais e as mostras de cinema do país.
Todos os anos posso acompanhar a alguns desses eventos quase que integralmente. Depois de ver uma amostragem da safra nacional no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, chega a vez do Festival do Rio, neste ano menos aproveitado por conta de um problema com a marcação das férias, e da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, quase completamente aproveitado.
São dias insanos, com poucas horas de sono, alimentação irregular e muita correria entre os cinemas da cidade. Mas tudo vale a pena para conhecer novos olhares e novas histórias, para sair da vida de alguns personagens e conhecer outros logo em seguida, encontrar novas culturas e aprender que em um mundão desse tamanho tem muita coisa que a gente não tem a menor ideia de que existe.
Além da sala escura tem os encontros deliciosos com outros amigos cinéfilos e inúmeras conversas, discussões e concordâncias sobre um único assunto. É como se vivêssemos o cinema intensa e integralmente. Para finalizar o dia, temos que trabalhar um pouco e escrever sobre tudo o que vemos, às vezes incorporando aos nossos textos coisas que só descobrimos depois das conversas ou visões que são muito particulares e não poderiam ser compartilhadas com mais ninguém.
Claro que os textos nessa época do ano são muito menos trabalhados do que os escritos em outros períodos. Do mesmo jeito que têm nele toda a urgência do calor do momento. Não existe aquele tempo de esfriamento que pode mudar um filme depois de visto. Falta tempo para isso, mas consigo repassar os sentimentos e impressões que aquele título causou em mim.
Menina dos olhos
Entre todos os festivais do país, um fala bem mais alto ao meu coração. É a Mostra de São Paulo. Estar na cidade que mais amo, fazendo aquilo que mais amo é simplesmente incrível. Nem sei quantas vezes tive que cruzar a Paulista, correndo logo que começam os créditos de um filme na Reserva Cultural e tendo menos de dez minutos para chegar ao Belas Artes, na Consolação.
A correria na Augusta para sair do Espaço Itaú de lá e chegar ao Espaço Itaú da Frei Caneca, ou sair do CineArte ou do CineSesc e ter que encarar uma subidinha boba, mas que no meio de todo o cansaço e pouco tempo mais parece uma montanha. Ainda tem os dias quase inteiros na Cinemateca, na Vila Mariana, ou no CineSala, em Pinheiros, que agora tem uma estação linda de metrô bem do lado.
A ansiedade para a Mostra começa bem antes, geralmente quando ainda estou no meio do Festival do Rio e, no segundo final de semana são anunciados os selecionados. Como neste ano o Rio foi reduzido para mim a um único final de semana, pude, pela primeira vez em muitos anos, fazer algo que dificilmente consigo de verdade: analisar toda a seleção, definir aquilo que eu quero ver, e montar a programação. Como é difícil montar a programação e encaixar tudo naqueles dias que tenho! O horário não dá e já é preciso abrir mão de alguns filmes.
Neste ano, teve uma coisa curiosa: o primeiro filme a entrar na programação, o que eu mais queria ver, era Son of Saul. Estava lá, de amarelo, em destaque, mas no dia veio depois de outros tão pesados – e eu não estou em fase de poder ver tantos filmes pesados assim em sequência – que não consegui assistir. Preferi sair para jantar com os queridíssimos amigos Chico Firemann e Mitchel Diniz, o que foi uma decisão sábia e divertida. Mas as próximas sessões estavam todas esgotadas e eu acabei voltando para casa sem o filme.
Era só a primeira mudança em uma programação que terminou completamente diferente daquilo que eu tinha passado tanto tempo para decidir, como acontece todos os anos. No meio de encaixes e sessões para acompanhar os amigos, tive boas descobertas, muitas surpresas e algumas decepções.
Ainda pude ver clássicos lindamente restaurados que integravam a seleção do The Film Foundation e rir um bocado com as comédias do italiano Mário Monicelli. Além de chorar aqui e ali e de me sentir profundamente tocada por filmes que abordam temáticas importantes e urgentes, como a violência contra a mulher. Sem falar que foi o ano em que, sem dúvida nenhuma, mais vi filmes nórdicos na minha vida. Foram tantos filmes islandeses, finlandeses, e suecos que até perdia a conta.
Como em todos os anos, fui feliz enquanto durou e, depois de uns 50 filmes vistos, senti aquele vazio avassalador depois que a Mostra acabou para mim, como se a vida voltasse ao ritmo normal e com aquele cotidiano mais lento e sem coisas novas a serem descobertas. Mas ano que vem tem mais correria, tem mais descoberta, tem mais um monte de cinema para me fazer feliz. Só saber disso já diminui um pouco a saudade da loucura.
Fotos de Mário Miranda Filho, Cláudio Pedroso e Aline Arruda, da Agência Foto.
Vai sim. Aí você vai descobrir que a culpa dos filmes fracos não é da gente. Hehehehe
Um dia, quando eu crescer, vou ser assim que nem você e conseguir passar de 10 filmes assistidos na Mostra. ;)