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Maternal

Faces maternas

(Maternal, ITA, ARG, 2019)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Maura Delpero
  • Roteiro: Maura Delpero
  • Elenco: Lidiya Liberman, Denise Carrizo, Agustina Malale, Isabella Cilia, Alan Rivas, Livia Fernán, Marta Lubos, Renata Palminiello
  • Duração: 91 minutos

Um trio de mulheres em situação incomum se encontram em um lugar igualmente não filmado com frequência. Adentrar o universo exclusivamente feminino de Maternal é observar um mundo desconhecido para o masculino, testemunhando suas questões através do buraco da fechadura. A produção ítalo-argentina é rica por nos permitir acesso a sonhos não verbalizados ou mesmo realizados; uma atmosfera sem mistério, naturalizada em seu despudor, em sua intencionalidade de devassar a história de três personagens silenciadas em diferentes estágios de violência, auto infligidas ou sobreviventes de uma máquina estatal de demolição de personalidades marginais.

A italiana Maura Delpero estreia na direção de ficção com essa obra cuja autoralidade salta por sua construção temática, por suas opções estéticas silenciosas e por seu lugar meticuloso no trato daquela ambientação macro, mas principalmente pela relação criada entre as protagonistas, tão alijadas de seus desejos reais pela força das trágicas circunstâncias em que se encontram. Paola, Lu e Fati são inseridas em um contexto raramente apresentado pelo cinema, quase integralmente feminino e absolutamente encarcerado, no que concerne não apenas o físico, mas precisamente o emocional, desvendado com discreta lupa.

Maternal

Toda a sutileza empregada na produção não o exime de precisão. Temos um abrigo para jovens mães, tornadas párias pelas suas trajetórias particulares, que é monitorado por um grupo de madres locais, que recebem a chegada de novas monitoras, vindas da Itália. Se entrecruzam naquela realidade então as jornadas de irmã Paola com as de Lu, uma jovem rebelde revoltada com a própria condição de dependência, e de Fati, já tornada mãe e mais uma vez grávida, porém de personalidade pacata. Muito pŕoximas, as duas jovens estabelecem diferentes códigos com a jovem madre, criando uma espécie de competição interna e detonando futuros conflitos.

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Maternal trata também do eterno embate entre personalidades femininas instigado pela sociedade o tempo todo, que posiciona mulheres como em ringues onde só podem restar uma vencedora. Mesmo em contextos onde a presença masculina inexiste, o mundo ao redor estimula uma competição em suas bases mais cruciais, como a maternidade, que Maura tenta radiografar em vertentes muito díspares – a mãe sem opção ou vocação, a tornada mãe contínua e provedora, e a mãe acidental em sua descoberta. Embora estejam em lugares muito próximos na pirâmide social, as três se descortinam para resoluções diferentes com a devoção que acompanha o ato de ser mãe.

Maternal

A diretora segue suas criações em um ambiente que parece mais acolhedor do que realmente é. Ao filmar os embates e os limites constantes a que suas personagens são apresentadas, através de repreensões físicas e verbais (o soco nas paredes e mesas é brutalizado com frequência), a autora deixa claro que aquele grupo de mulheres perdeu parte de sua liberdade, e cabe a elas acatar isso ou não – dos dois lados da moeda, inclusive. Como em tradicionais narrativas, os conflitos internos entre personagens que obedecem e outras de espírito indomável é posto em debate, com os resultados clichês esperados, mas não necessariamente isso retira do filme seu ponto de interesse.

É sobre a relação surgida entre as protagonistas, que vai se restringindo cada vez mais, que Maternal continuamente se debruça e reflete, deixando seu entorno cada vez mais como pano de fundo. Paola, Lu e Fati são um exemplo de microcosmo dentro de outro microcosmo, uma minuciosa aproximação sobre o que é a relação sobre a maternidade compulsória, capaz de aflorar o real significado do amor mesmo em um universo tão desprovido de tal. Com a atuação devastadora de Agustina Malala com um furacão arriscado de criar empatia chamado Lu e a introspecção cheia de ternura de Lidiya Liberman como a irmã Paola, o filme alcança lugares de força cênica atreladas ao olhar de Maura sobre essas mulheres à deriva de uma sociedade que tenta destituí-las do ser feminino.

Um grande momento
Lu pede a ajuda final, mas Lu só consegue ser Lu

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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