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Memórias de um Amor

O gesto fala

(Supernova, GBR, 2020)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Harry Macqueen
  • Roteiro: Harry Macqueen
  • Elenco: Colin Firth, Stanley Tucci, Pippa Haywood, Peter MacQueen, James Dreyfus, Sarah Woodward, Ian Drysdale, Nina Marlin.
  • Duração: 95 minutos

Filmes são apenas parte de um todo muito maior na vida daquelas pessoas. Chegamos às histórias pela metade, e mergulhamos em universos que não existem pois fictícios, mas estamos compreendendo elas por uma fração. Sempre estaremos relacionados, portanto, ao que vemos e ao que não vemos. O que aconteceu antes do que está acontecendo agora e criou a base dos eventos, e o que se seguirá após a resolução dos conflitos. Sempre acreditei que estavam entre os melhores filmes aqueles que nos dão cabedal para que cada espectador consiga acessar o extra fílmico, e nos possibilita criar universos atemporais àquelas linhas de existência. Estão inseridos no limiar dessas qualidades as necessidades empáticas que nascem em cada narrativa, a delicadeza com que cada microuniverso se apresenta para nós. Supernova, com seu ridículo título brasileiro Memórias de um Amor, chega à Amazon Prime Video nos enchendo de todo esse parágrafo. 

Independente de ser focado na relação entre Sam e Tusker e nos desdobramentos de seu estado na atualidade, os laços que eles criaram, entre si e com sua rede de relações, parecem exigir o protagonismo dessa história. Na verdade, a História desse casal, do que eles formaram ao longo da vida com as amizades que formaram, todas as bifurcações que esse casamento trouxe, principalmente entre o que não é visto, está no centro do olhar. É parte integrante dessa narrativa não apenas o que é visto, mas essencialmente o que é investigado, pelo que tateamos com facilidade entre os gestos que se aprofundam em cena. Não tem nada de superficial nesses flagrantes que o filme não explora, estão ali para que possamos nos afetar por aquelas vidas, estão nas lembranças, estão nos olhos. 

Memórias de um Amor

O primeiro plano de Memórias de um Amor foca o casal protagonista dormindo de “conchinha”, é uma imagem, apenas, mas esse flagrante de intimidade, como se estivéssemos testemunhando uma realidade particular, é algo que perpassa a produção, e as ideias de Harry Macqueen seguirão durante a projeção por essa textura de refinamento. Praticamente todas as cenas do filme se cercam desse cuidado, sempre revelando mais do que estamos vendo, com seus desdobramentos sendo revelados por um passado, por um toque entre eles, por um olhar, que seja. Está tanto nas mãos dadas no volante, durante a viagem, quanto no discurso durante o jantar, onde Sam lê o texto de Tusker, revelando o passado entre os  presentes de maneira muito clara e de forma muito sensível. Nesse momento, a inteligência generalizada, de Colin Firth, da direção, da rubrica da cena, faz com que o ator pare a leitura no meio, quando o texto começa a fazer menção ao seu próprio personagem; esses segundos revelam o cuidado pelo qual o filme se cercou.

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O que Macqueen absorve de seus personagens e dos amigos que circulam entre eles é justamente as relações estabelecidas, mas que não estão justamente no plano. Muitas delas são projeções de um tempo que não vemos, e estarão ainda sendo construídas em um futuro que igualmente não estaremos presentes. A sutileza com que trata o que é formado a cada novo toque entre eles, a forma como cada palavra é articulada, cria o diapasão necessário para a compreensão de sua realidade. Tá em como Tusker leva a própria mão à boca, no olhar compenetrado de Sam para ele e de como ele pede para que não deixe de fazer parte de seus planos, são lugares acessados pelo tato, uma forma de contato quase esquecida pelo cinema, tão refém das grandes ações ou dos grandes diálogos. 

Memórias de um Amor
Bleecker Street Media

Apesar da ênfase que dou aqui no texto, nenhum desses movimentos é tratado com leviandade pela produção. É tudo baseado em mútua compreensão de como essa história, que é muito mais ampla do que uma história de amor corriqueira, precisava ter contexto e ser palpável para que o público a dominasse. Rapidamente, estamos imbuídos dos valores que passeiam pelos personagens, pelo amor genuíno que está presente em cada uma daquelas trocas. Pode até parecer fácil estabelecer essa intimidade para alguém, de tão orgânico que vemos esses signos na nossa frente, mas é fruto de profundo entendimento cênico e do talento de todos os envolvidos que essas interconexões se estabelecem. Quando percebemos, todo o jogo exposto transparece realidade quase como de maneira documental. 

Os talentos de Colin Firth e Stanley Tucci são primordiais para que seu relacionamento soe natural o tempo todo, e uma cena mais ousada entre eles, realizada com o máximo de entrega, nunca é posta à prova. O que vemos é um casal enfrentando um futuro incerto, mas o amor entre eles nunca é uma dúvida; verdadeiro e cálido, sua relação extrapola o quadro. Ao se aproximar do fim, Memórias de um Amor opta por saídas um pouco previsíveis para a solução de seu drama, mas é o talento dos atores que sustentam essas decisões, e nos faz perceber como a sensibilidade empregada extrapola até sua base narrativa. É como se o filme se impusesse à própria realização e ganhasse vida, fazendo com que o público enxergue o que quis, diante de tanta liberdade psicológica adquirida até então. 

Um grande momento
O discurso

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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