Há filmes que começam pela paisagem, outros pelas pessoas. Memories of Love Returned começa pelo tempo. Um tempo que se infiltra em cada imagem, em cada rosto capturado pelas lentes antigas de Kibaate, e que se derrama em silêncio na jornada pessoal de Ntare Guma Mbaho Mwine. É curioso perceber como um carro quebrado, pode se transformar em um portal para o passado.
O documentário, assinado pelo próprio Mwine, não se contenta em mostrar fotografias bonitas, ele questiona o papel da memória e da imagem. As fotos envelhecem, os retratos desbotam, mas ali permanece uma faísca de eternidade, um traço da existência que se recusa a desaparecer. Ao decidir devolver essas imagens para as pessoas fotografadas ou seus descendentes, o diretor não está apenas fechando um ciclo, ele está criando uma nova camada de sentido para aquelas vidas capturadas em película.
Memories of Love Returned nunca força a emoção. Ele não precisa recorrer a lágrimas fáceis porque há uma doçura natural nos encontros e uma melancolia inevitável em cada reencontro com uma fotografia esquecida. Por trás dessa delicadeza, há também a urgência. Mwine nos conta sobre o câncer que enfrenta. Quando se pensa sobre o corpo que já não tem garantias de amanhã, tudo ganha um peso maior. O ato de registrar deixa apenas sobre os outros e passa a ser sobre si mesmo. Ele está lá, atrás e à frente da câmera, lidando com a própria finitude, compreendendo que talvez aquelas imagens sejam a última forma de permanecer quando o corpo falha. A comparação entre o gesto do fotógrafo, que há décadas congelou vidas em imagens, e o gesto do documentarista, também fotógrafo, que agora transforma esses encontros em um novo retrato coletivo, é tocante. Tudo é sobre tempo, sobre permanência, sobre resistir ao esquecimento.
Mesmo que a fotografia seja o ponto de partida, o filme que nos lembra da força desse registro. Quando aquelas imagens ganham tela grande, quando os olhares ressurgem acompanhados de vozes e histórias, a eternidade parece mais palpável, menos abstrata. O documentário não se prende a grandes discursos, se constrói no detalhe, no riso tímido de quem se vê jovem novamente, na surpresa de um neto que descobre o avô em traje elegante, na paisagem que persiste igual enquanto tudo ao redor se transforma. Há ali um gesto de amor silencioso, um respeito pela memória coletiva de uma comunidade que muitas vezes foi ignorada pelas grandes narrativas.
Memories of Love Returned é, acima de tudo, uma homenagem ao que fica. Ao que sobrevive pela imagem quando o tempo insiste em apagar. Ao que resiste na lembrança quando o corpo se despede. É um filme que não grita, não empurra, apenas observa com ternura e entrega ao espectador a responsabilidade de carregar adiante essas memórias. E quando a última cena escurece, quando os rostos antigos desaparecem da tela, entendemos que fomos cúmplices desse gesto de eternização.
Um grande momento
O reencontro


