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Men – Faces do Medo

O feministo pretensioso

(Men, GBR, 2022)
Nota  
  • Gênero: Terror
  • Direção: Alex Garland
  • Roteiro: Alex Garland
  • Elenco: Jessie Buckley, Rory Kinnear, Paapa Essiedu
  • Duração: 100 minutos

Vamos sentar, gente, e prestar muita atenção, porque tem homem explicando, com muita pompa e estilo, o que é machismo. E lá está Alex Garland (Ex_Machina) flertando com o folk, mergulhando no drama psicológico, e construindo – ou melhor seria dizer destruindo – sua protagonista no mundo cão e em seu próprio interior abalado pelo trauma. Tanta vontade e equívoco juntos no mesmo lugar fazem com que Men – As Faces do Medo não seja nada mais é do que um exercício de artsy horror pretensamente consciente e engajado. Cansativo para o espectador, e mais ainda para a espectadora que tem que lidar com esse tipo de coisa sempre, a vida inteira.

Não que tudo seja terrível. Há um momento de esperança, enquanto nem tudo está revelado apesar do título óbvio, que, aliás, é reforçado pelo subtítulo brasileiro. E algumas passagens são realmente inspiradas,  pelo menos no que diz respeito à manipulação da tensão e a estética. O diretor inglês é bom, tem uma percepção aguçada, noções visuais interessantes, e consegue se encontrar no cinema de gênero. O problema dele é sempre achar que tudo é muito mais incrível e fantástico do que é na verdade. A pretensão transborda aqui, ao ponto de a não-genialidade tomada como genial pelo criador ser repetida exaustivamente. E não estou falando de uma passagem ou sacada isolada.

Para além disso, Men persiste no tom arrastado, algo muito coerente com o luto e a culpa de Harper, a protagonista vivida por Jessie Buckley (Estou Pensando em Acabar com Tudo). Porém, se por um lado essa dilatação do tempo cria espaço para trabalhar tanto a interiorização da personagem quanto sua percepção do todo; por outro há a inabilidade em lidar com os agentes externos, tenham eles a interpretação que for, como pontos de atrito e geradores de tensão. Obviamente que, por estarmos falando de alguém que tem capacidade criativa, alguns momentos interessantes sairão dessas interações, seja no universo do jumpscare ou no do suspense. Mas na maioria das vezes, tudo é tão falho e desnecessário quanto o artifício de tantos quilos de maquiagem no rosto de Rory Kinnear, algo muito genial no papel apenas. 

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Men - As Faces do Medo
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Deixando de lado a importância da sutileza, já que muitas obras abrem mão dela e se saem bem, é sério que alguém achou brilhante representar que todos os homens são a mesma pessoa? E a super elaborada concepção do machismo que ultrapassa gerações? Algo que tecnicamente ficou bem feito, mas, quando inserido no contexto, causa vergonha. E aborrece, porque nesse autodeslumbre de Garland ninguém sabe se aquilo está acontecendo de novo e de novo porque ele achou muito incrível ou porque ele tem a certeza que todos nós somos burros. Ou burras.

Digo isso porque Men parece e talvez até queira ser, mas não é uma obra de consciência. É uma exaltação do feministo, daquele cara que acha ter entendido o que os homens fazem de errado e agora quer alertar as mulheres disso. Ele não fala consigo, não fala com eles, quer falar com elas, com a gente. Apenas, não. O erro do filme está na primeira interação, na repetição de discursos, na exposição ao abuso sem nenhuma consciência real de onde isso toca ou já tocou. Mas ele é tão alheio à verdade que, depois de todo tour de force de gaslighting, com direito a uma conversa absurdamente leviana como desfecho, Harper adquire uma consciência. Afinal de contas, ela viu, muitas vezes. Entendeu e se libertou. 

Garfield vai ensinar para todo mundo que estiver prestando atenção, então. É muita pretensão. E uma coisa é suportar filme pretensioso em estética e linguagem, lugar que Men também ocupa com propriedade; outra, bem diferente, é aguentar filme que se veste como portador de uma grande mensagem. E não é que seja um homem assinando o roteiro e a direção, porque as histórias são de todos, e todos podem falar de tudo. É só um homem equivocado, que se coloca num lugar impróprio e vai disfarçando seu erro com o seu horror estilosinho. Não fosse o trato artístico, ele poderia muito bem ser comparado com o cunhado de Babysitter (filme incrível disponível agora na Mubi), que vai escrever um livro sobre o machismo para ensinar as mulheres a se protegerem desse mal. 2022, sabe? E a gente ainda tendo que passar por esse tipo de coisa. Apenas, terrível.

Um grande momento
No túnel

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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