(Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil, BRA, 2016)
Em uma aula sobre o nazismo, uma aluna comenta com seu professor de história que os tijolos de sua fazenda, em Campina do Monte Alegre, no interior do São Paulo, eram todos marcados com a suástica. Esse foi o início da longa pesquisa do historiador Sidney Aguilar sobre eventos que aconteceram naquele lugar, o que resultou em sua tese de doutorado e neste Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil.
De acordo com a pesquisa, a fazenda Santa Albertina, de Osvaldo Rocha Miranda, era parte de um projeto nazista, o Cruzeiro do Sul, que defendia a purificação da raça afastando os negros da capital do país. Para isso, em um orfanato, 50 crianças negras foram escolhidas e, sem muitas informações, levadas de trem até o local. Lá, além de submetidas a humilhações físicas, trabalharam sem descanso e remuneração, por dez anos. Ou seja, aquela fazenda com os tijolos marcados com a suástica foi uma espécie de campo de trabalhos forçados, instalado no interior do país, mas sem que disso se soubesse até os dias atuais.
A história, que viraria um programa do History Channel, chamou a atenção do documentarista Belisário Franca (Amazônia Eterna) que, produzido pelo canal de televisão Globo News, resolveu levá-la aos cinemas. Menino 23 – lá a identificação dos meninos também era feita por números – conta a história a partir das lembranças de Aloísio Silva, um dos sobreviventes.
Embora seja interessante e tenha muita coisa para contar, Franca não consegue imprimir um tratamento cinematográfico à obra. Intercalando entrevistas, imagens de arquivo – trabalho exímio de Remier Lion – e dramatizações, o longa-metragem tem a mesma estrutura de um programa de televisão e só convence como tal.
Mas não deixa de ser interessante pela história terrível que conta e por registrar os efeitos perpétuos que situações de violência deixam nas crianças que a sofrem. Além disso, há o mérito de trazer ao contexto da pesquisa visões que afirmam o que é contado por Silva, com as entrevistas de Argemiro, um dos fugitivos do campo, e da família de José Alves de Almeida, conhecido como 2.
Menino 23 traz à tela a confirmação do preconceito racial que existe até hoje, e da arrogância da elite brasileira, que faz sempre o que quer, do jeito que quer e não é responsável pelas consequências de seus atos. Além de assustar por expor um projeto eugenista que, por mais absurdo que seja pensar nisso em um país miscigenado como o Brasil, era aceito socialmente e estava inclusive na Constituição Federal de 1934.
Com estreia nos cinemas prevista para o dia 7 de julho, Menino 23 é daqueles títulos que deixam um embrulho no estômago, mas precisa ser conhecido por todos.
Um Grande Momento:
“Não perde nunca”.
[26º Cine Ceará]