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Môa: Raiz Afro Mãe

Evoé!

(Môa: Raiz Afro Mãe , BRA, 2023)
Nota  

Môa do Katendê não era apenas um multi artista, músico reconhecido internacionalmente, instrumentista que impressionou quem o conheceu, capoeirista dos mais celebrados, ou dotado de uma religiosidade que o transportava para um campo do astral que o elevava – talvez até por isso tudo, esse homem foi uma inspiração viva do nosso tempo. Assassinado por divergências políticas quando o ‘não mencionado’ venceu as eleições presidenciais em 2018, essa liderança natural nascida na periferia baiana nos foi arrancado aos 64 anos, e agora é a mola propulsora por trás de Môa: Raiz Afro Mãe, documentário que o alça à condição que ele já exercia na vida. E não apenas isso, o filme vai além e investiga tudo que ele promoveu durante sua passagem, e promove uma tentativa de compreensão ao tanto de revolução que ele promoveu enquanto cidadão. 

Dirigido por Gustavo McNair, o filme incorre naquela prática com a qual tenho restrições, que são as malfadadas ‘cabeças falantes’. O que Môa: Raiz Afro Mãe prova é que mesmo as limitações que um determinado formato pode impôr a um projeto podem ser dobradas em uma direção menos travada tratando-se do tratamento ao seu redor, do seu protagonista ou da forma como lida com suas imagens, e com quem se declara em cena. A direção consegue dilatar tudo o que não é essa linguagem, que o aprisionaria, e eleva suas falas e seu entorno, colocando imagens e musicalidade a favor do que estamos presenciando. Elabora então um jogo emocional com o espectador, ao convidá-lo para uma experiência de conhecimento acerca de música, religião, arte e sabedoria popular. 

A produção não é apenas devota de seu homenageado, como também de sua terra, e isso fica claro quando a produção precisa filmar outros espaços. Enquanto tudo que é exterior à Bahia é tratado de maneira esmaecida e sem grandes propósitos, Salvador é vista com uma paixão e um colorido que poucas vezes o cinema retratou. E não estamos falando do olhar mais óbvio possível, acerca de cartões postais recorrentes, mas em descobrir a multietnicidade de bairros à margem dessa ideia que temos a respeito do lugar. Essa visível alegria que as imagens trazem já colocam Môa: Raiz Afro Mãe em um lugar especial, porque se preocupa em descobrir para o espectador uma sociedade nacional que não está estampada em capas de revista, em explorar nosso desconhecimento em relação ao cuidado às religiões de matrizes africanas, e de como ela caracterizou todo um povo sem aprisioná-lo. 

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Tem um ponto específico de Môa: Raiz Afro Mãe que atentei de maneira muito positiva, embora no papel fosse algo assustador. Muitos dos depoentes do filmes, amigos, alunos, seguidores, fãs de Môa, repetem detalhes de histórias, o que deve ser normal em se tratando de documentários, onde provavelmente a montagem elimina informações repetidas. Pois aqui eles mantém tudo isso no plano, e isso provoca uma confirmação de dados que nos aproxima ainda mais, tanto do protagonista quanto de seus companheiros. Cria-se uma humanidade natural por trás desses momentos, que recheiam um filme que clama por um afeto muito verídico que escorre a cada nova cena, e que são muito a matéria-prima do melhor que esse homem tinha a oferecer. 

Se tem algo que infelizmente impede de colocar a produção em uma apreciação ainda mais elevada é porque seu ritmo é alcançado cedo demais, e ele inevitavelmente acaba por cair. Môa: Raiz Afro Mãe já começa com a energia lá no alto, e por mais de meia hora joga seus elementos narrativos e geográficos em cotação muito alta, o que é correspondido pelo personagem tão cheio de rara beleza que vemos em cena. O revés é que o filme não exatamente é incapaz de se manter naquela altura, mas porque o próprio material passa a exigir mais de suas imagens, e temos a impressão de que em algum momento, toda a informação já foi devidamente passada para o espectador, que fica ainda preso a um ritmo que demora a compreender que o melhor a ser feito era se encaminhar para o final. 

Importante documento para quem não viveu a efusividade da Bahia nos anos 80 e quer entender um legado que começou ainda antes mesmo de Dodô e Osmar e foi muito mais profundo que alguma frivolidade ataque o carnaval baiano, Môa: Raiz Afro Mãe também monta um quadro que lê toda a relação de seu protagonista com a religião com o mais puro encantamento. É com profundo respeito que são tratadas suas relações com cada um de seus elementos reinantes, sejam a arte ou a fé, tão integrantes de sua personalidade quanto a inquietude que o fez se afastar sempre que estava no auge em algum lugar. É perceber que, por trás do homem politizado, culto e inteligente, também existia um ser humano frágil e inseguro, e essa é só mais uma camada de beleza, dele e do seu filme. 

Um grande momento

A última fala de Môa

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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