Crítica | Cinema

Loucas em Apuros

A liberdade delas

(Joy Ride, GBR/EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Adele Lim
  • Roteiro: Cherry Chevapravatdumrong, Teresa Hsiao, Adele Lim
  • Elenco: Ashley Park, Sherry Cola, Stephanie Hsu, Sabrina Wu, Ronny Chieng, Meredith Hagner, David Denman, Annie Mumolo, Timothy Simons
  • Duração: 95 minutos

Por muito tempo, as comédias besteirol tinham como protagonistas única e exclusivamente os homens. Faz muito pouco que isso mudou e um marco nessa virada foi Missão Madrinha de Casamento, longa de 2011 dirigido pelo habilidoso Paul Feig que, com um roteiro inspirado de Kristen Wiig e Annie Mumolo, contava a história de amigas que se reuniam às vésperas do casamento de uma delas, passando por viagens, chás, ensaios, provas de roupas e mais um monte de outras situações. Seguindo uma fórmula básica de relacionamento, deslocamento e outros detalhes do humor mais gratuito que vinha dos outros filmes e independia de gênero, Missão definiu alguns padrões específicos de comédias de reunião de mulheres que podem ser vistos em A Noite É Delas (2017), de Lucia Aniello; Viagem das Garotas (2017), de Malcolm D. Lee; Entre Vinho e Vinagre (2019), de Amy Poehler; e o recém-lançado Loucas em Apuros, de Adele Lim.

É curioso perceber como esses filmes marcam mudanças no subgênero cinematográfico quando se pensa em representação. Não são só filmes com mulheres em várias das suas particularidades, são filmes que olham para questões profissionais, raciais e etárias. Ainda que o título recebido no Brasil, muito distante do Joy Ride original (algo como “caminho da alegria”, numa tradução livre), seja tenebroso e use um adjetivo ultrapassado, inadequado e carregado de preconceito, Loucas de Alegria é mais uma das poucas produções comerciais recentes que tem a maioria do elenco e equipe asiáticas, mas que vêm movimentando o cinema blockbuster e recentemente causou alvoroço com o megapremiado Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo. Ele usa o humor para falar de amizade e autodescoberta, e passa por temas como adoção, migração, ageneridade, imperialismo, cultura de massa e outros. Com quatro personagens interessantes, distintas e bem elaboradas, o roteiro da diretora, Cherry Chevapravatdumrong e Teresa Hsiao tem boas piadas e goza de situações corriqueiras, do deslocamento num mundo profissional dominado por homens brancos, da constante necessidade de se provar de uma mulher e de estigmas que dominam a sociedade.

Audrey, Lolo, Kat e Olho de Peixe Morto são aquelas peças que só se encaixam porque querem, embora algumas delas nem queiram tanto aqui, e são as diferenças entre elas que fazem Loucas em Apuros acontecer. Todas se veem juntas quando Audrey precisa ir à China fechar um negócio com um grande cliente. Sem saber falar uma palavra de mandarim, ela leva sua melhor amiga Lolo, uma artista alternativa, como intérprete. Se juntam à dupla depois, de surpresa, Olho de Peixe Morto, jovem que ama K-Pop e tudo que venha da Coreia, e, por acaso, Kat, protagonista de uma novelinha famosa da TV que, depois de muito sexo, “resolveu esperar”. Apresentações feitas, o longa parte numa jornada divertidíssima de contravenções, perrengues, alguns dates e muito álcool. Sem poupar nos palavrões e apelando mesmo, é no escracho que o filme fica melhor. Óbvio que existem coisas, como esse apego estranho do gênero à escatologia, que sobram ali.

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Lim, que assinou o roteiro de Podres de Ricos e Raya e o Ultimo Dragão, mostra segurança em sua estreia na direção, tendo uma boa noção de como lidar com o humor rasgado e tão dependente da intimidade, estabelecida ali ou identificada de antes. O quarteto de atrizes sabe o que fazer, com Sherry Cola, do ótimo Shortcomings, e Stephanie Hsu, de Tudo em Todo Lugar…, muito à vontade e donas de um ótimo timing cômico. Ashley Park e Sabrina Wu são contagiadas pela energia das duas e também têm ótimos momentos. O fato é que é bom estar acompanhando as aventuras das quatro. Pelo menos por boa parte do filme, pois se tudo vai muito bem enquanto o humor domina o ambiente, há um desequilíbrio evidente quando a trama tenta se enveredar pelo drama.

Seguindo o fluxo normal do gênero, porque existe uma estrutura muito bem estabelecida em filmes de reunião como Loucas em Apuros e que faz com que todos possam antecipar os próximos acontecimentos, o longa não sabe muito bem como lidar com aquilo que define para ele. Por sorte, há todo um carisma e uma energia que fazem com que mesmo uma perdida de mão tão grande seja deixada de lado. É bom ver uma mulher contando a história de mulheres fazendo aquilo que elas bem entendem e da maneira que acham melhor. Mais ainda, trazendo tantas questões complexas, mas fazendo rir de maneira genuína.

Um grande momento
K-pop stars

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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