Crítica | CinemaDestaque

Mundo Novo

Os grandes e os pequenos

(Mundo Novo , BRA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Alvaro Campos
  • Roteiro: Alvaro Campos e elenco
  • Elenco: Tati Vilela, Nino Batista, Kadu Garcia, Paulo Giannini, Melissa Arievo, Leandra Miranda, Polly Marinho
  • Duração: 80 minutos

O grupo Nós do Morro surgiu como uma ONG que visava ajudar os moradores do Morro do Vidigal, no Rio de Janeiro, em diversos aspectos sociais, acabou se tornando uma companhia teatral, e hoje é uma fábrica de talentos prestes a completar 40 anos. Dentre as suas porções hoje, sua encarnação como produtora de cinema está alçando voos cada vez mais ousados. A estreia de Mundo Novo, uma semana antes de A Festa de Léo, carrega uma história por si só. É como se uma primeira e bem sucedida tentativa assistisse a um filho nascer, ainda mais bem acabado, escrito, dirigido que aqui. Mas o filme não é ofuscado por essa tentativa de confrontar a cidade partida, que continua em uma guerra silenciosa.

Existe uma discussão correndo por Mundo Novo que não faz parte de um lugar de sutileza, mas isso não invalida o seu propósito. Situações diversas que vão sendo pontilhadas na produção, desde as mais corriqueiras e morais até as mais pungentes, com toques de representatividade. Existe uma diferença etária entre os dois casais centrais, mas só uma delas é realçada como negativa; existe uma diferença de condições financeiras entre os dois casais, mas só uma delas é considerada “injusta”; isso são apenas duas situações que atentam para o racismo tratado pelo roteiro. São ideias como essas que estão desenvolvidas com um peso cuja gradação é volante – ora o que vemos está mantido num quadro de normalidade de pressão, e em outro momento tudo fica superlativo e explícito.

Essa é a estreia na direção e no roteiro de longas de Alvaro Campos, e seu trabalho como realizador é exemplar. Ele consegue esquadrinhar as diferentes tensões que surgem ao longo da narrativa, às vezes, com suaves mudanças de perspectiva cênicas. Os atores estão afastados em detrimento da COVID-19, ainda em seu auge na produção; será? O que observamos em Mundo Novo é o afastamento que pessoas brancas estabelecem com uma jovem mulher preta bem sucedida, que se impôs no mercado de trabalho e venceu, do qual a classe que um dia foi dominante hoje teme. O temor é pela mudança não apenas de oportunidades, ou não exatamente, mas diante de uma quebra de paradigmas diante do status quo social. A câmera que segue os personagens é refém dessa dinâmica amarga entre os habitantes dessa realidade, e Campos realiza esses passeios por entre espaços de convivência com a certeza de transformá-los em silenciosas praças de guerra. 

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O que o roteiro propõe é a observação em torno de dois casais que deveriam sofrer igualmente com as imposições que a sociedade delimita para eles. Temos Cons e Marcelo, que desafiam o que os outros esperam deles com seu romance interracial; temos Charles e Carlos, casal homoafetivo já com mais de década de relação. O que deveria ser um pólo de compreensão mútua, não é estabelecido por que muitas outras questões se interpõem a esses indivíduos, com seus preconceitos particulares. O tal Mundo Novo que nomeia o filme é ao mesmo tempo um aceno para o futuro, quanto uma mordaz solução irônica para identificar as mudanças que cada um pode estabelecer para si, mas que o coletivo ainda não identifica, tornando-se obsoleto e bem pouco novo. 

Na verdade, o roteiro de Mundo Novo, de acordo com os próprios créditos do filme, não são exclusivamente atribuídos a Campos, e a tendência da crítica é atribuir a essa falta de unidade que é a princípio bem-vinda, um olhar disperso quanto às complexidades que o filme apresenta. Essa decisão, de tirar a autoria exclusiva de seu diretor e autor, premia a conexão entre quem fala e o que fala, mas também tem seu lado de demérito, que encampa a multiplicidade também de seu tom. Em determinado momento, como já citado, o filme parece seguir um espaço de afinação retórica, e em outro a redundância parece se mostrar mais presente no roteiro. É por isso que, se em determinado momento, tais personagens conseguem se comunicar com uma coloquialidade assertiva, em outros os mesmos tipos se encontram distribuindo suas funções sociais, seus lugares de fala, e suas interpelações soam plastificadas, ou sem embocadura vocal; em resumo, às vezes se fala e às vezes se declama. 

A experiência em torno do processo como um todo, no entanto, é engrandecedora, onde uma ou outra cena soa artificial, agravado pela própria artificialidade, que é assumida,  composta pelo preto e branco da fotografia, que tira o filme de um dos registros escolhidos. Olhando para A Festa de Léo, filme da companhia que viria depois, Mundo Novo tem até uma certa ingenuidade típica das utopias sociais que o filme não tenta bancar, acertadamente. Cons, a protagonista entre os protagonistas, é maior que uma sonhadora; ela é uma realizadora, uma empreendedora de si mesma. Tati Vilela (que o público conhecia de Vai na Fé), nesse sentido, é um assombro de se olhar, pelo gigantismo que sua figura nunca rebaixa, em contrapartida ao desempenho igualmente certeiro de Kadu Garcia (que tem um monólogo maravilhoso em Minha Mãe é uma Peça 3), onde se estabelece uma dualidade. Quem está subindo só precisa caminhar em frente, enquanto quem está descendo tenta desesperadamente não cair, e para isso se agarra em quem passa ao seu lado, puxando para junto de si em sua derrocada, de qualquer ordem. A grandeza e a pequenez, frente a frente. 

Um grande momento

A reta final do jantar

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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