- Gênero: Horror, Drama
- Direção: Nikyatu Jusu
- Roteiro: Nikyatu Jusu
- Elenco: Anna Diop, Michelle Monaghan, Morgan Spector, Sinqua Walls, Rose Decker, Leslie Uggams, Mitzie Pratt, Olamide Candide-Johnson, Jahleel Kamara
- Duração: 93 minutos
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A coisa mais fácil (e óbvio) é atrelar esse novo Nanny, vencedor do último Festival de Sundance que chegou recente no Amazon Prime Video, a um movimento que o cinema preto de língua inglesa tem apresentado recentemente, correlacionando o horror às ancestralidades da cultura afro-americana e seus desdobramentos no hoje. Isso também é uma forma de falar sobre essas mesmas opressões que ainda ocorrem entre essa população, constantemente violentada. Títulos como Candyman, Master, Bad Hair e O Que Ficou para Trás, entre outros, têm reverberado essa situação, com a adição de vozes que nunca tinham sido ouvidas antes no cinema, e que agora encontram uma forma de gritar a respeito dessa violência histórica.
O trabalho da diretora Nikyatu Jusu prévio inclui um importante estudo como pesquisadora a respeito das mulheres negras em diáspora, e ela carrega essa complexidade para a sua estreia em longa metragem. Não é como se essa moldura não estivesse sendo carregada com frequência pelo cinema atual, mas como essa ideia de desenvolvimento de cinema de gênero tem trazido discussões tão fascinantes quanto urgentes. O que a diretora arrasta para seu olhar são particularidades que aos poucos se revelam distintas em relação a esses outros lugares já visitados. Conforme nos inteiramos do universo em questão e compreendemos sua rotina, o filme acaba por nos legar uma reflexão não somente a respeito das pesquisas de sua autora, indo além da abordagem.
Já vimos “esse filme” – a mãe preta que precisa criar a criança branca dos outros para ter condições de sustentar seu próprio filho, arcar com a infelicidade dos seus pelo alheio. Aisha se sente culpada por não conseguir ter o filho junto a si, e manda dinheiro para a família conseguir levá-lo do Senegal para os Estados Unidos. O que muda em Nanny, a princípio, é o jogo que se constrói entre os personagens, que se desenvolve sempre oferecendo novas perspectivas que carregam de novas camadas tal leitura já vista. Durante o processo de costura dos movimentos, é essa dinâmica que mantém criativa sua premissa; não são óbvios os contornos que se adquire entre a protagonista, seus patrões, seu namorado e os outros pontos de convergência narrativa.
A violência inserida no gênero para com a população preta aqui alcança uma nova representação. Embora Nanny não se furte em apresentar esses personagens como tipos por trás de uma encenação do horror diaspórico e das representações traumáticas para o feminino, Jusu não joga prematuramente suas verdadeiras intenções com a produção. Por trás do que já vimos acerca dessa construção, o filme guarda seus trunfos para comentar a respeito de algo muito maior que a tortura do gênero. Está sendo elaborado em cena uma ideia de herança ancestral que ultrapassa os conceitos de maternidade para então abraçar essa fonte através do medo da perda, e então reconfigurar sua protagonista não como agente de ação, mas de doação do astral.
Embora de movimentação ativa, Aisha é uma receptora de uma dádiva que só se revela com a tragédia anunciada. A despeito da genuína reiteração de elementos já vistos em outros títulos dessa seara do terror preto, Nanny está se comunicando não apenas com o que é concreto, mas com o que ainda está por vir. Em uma delicada cortina de fumaça, o roteiro move sua personagem em uma direção óbvia (ainda que potente) para revelar que sua metaforização não é a usual, mas uma segunda coisa que caminha entocada até então, para revelar uma natureza espiritual em seu jogo cênico. É sobre, acima de todas as coisas, descobrir em si um poder que não se imaginava existir até então, e a partir daí, preparar-se para um novo mundo interior.
Jusu estabelece para sua protagonista uma voz ativa que não se rebaixa, e com isso percebemos que a protagonista de Nanny já alicerçava sua grandeza previamente à descoberta de sua conexão com o universo. É sobre outorgar à sua personagem principal símbolos muito fortes que remontam à tradição histórica dos povos originários pretos, e sua liturgia religiosa. São desenhos poderosos demais para manter o filme apenas no campo do cinema de gênero, e sua autora consegue então convencer em sua ideia de traçar ao longe a sinceridade de sua história, que nos é revelado junto à protagonista. Uma bela aquisição ao cinema em 2022 esse mergulho na historicidade milenar de um povo, ao nos mostrar o nascimento dessa figura ímpar.
Um grande momento
O diálogo entre Aisha e Kathleen