Crítica | Festival

No Caminho

Encontro definitivo

(En el camino , MEX, 2025)
Nota  
  • Gênero: Drama, Romance
  • Direção: David Pablos
  • Roteiro: David Pablos
  • Elenco: Victor Miguel Prieto, Osvaldo Sanchez
  • Duração: 90 minutos

Vencedor do prêmio de melhor filme da Mostra Orizzonti do Festival de Veneza deste ano (é a segunda competição mais importante do evento), No Caminho me remete a um vencedor do Leão de Ouro de 10 anos atrás, De Longe Te Observo, de Lorenzo Vigas. Aqui, a narrativa soa um pouco mais orgânica, com o rebuscamento sendo conseguido pelo trabalho de seu diretor, mas apresentando um roteiro simples para versar sobre o encontro improvável de mundos antagônicos, que acabam descobrindo muito em comum. O diretor David Pablos sobre aqui uma elevação de material, inclusive humano, para contar a história de uma dupla que não poderia ser mais diferente, e por isso mesmo se apaixona. 

O filme é pautado em uma ótica realista urbano-social, bastante pé no chão, que não se esgota em si. Mas o filme não abre mão de uma quebra de expectativas ao flertar com imagens de sonho, que evoluem para o pesadelo de maneira gradual. A prática, por assim dizer, que o filme apresenta não me é estranha; jovens gays que procuram caminhoneiros em postos de gasolina atrás de sexo vazio, algo mais profundo ou mesmo uma “ajuda monetária eventual”, não é incomum. Veneno está neste lugar, com um passado cheio de hematomas emocionais, que não estão dispostos a revelação, até o encontro com Muñeco. São encontros como esse que o filme parece declarar a normalidade dos fatos, com a violência entremeando as relações, que pode tirar dos trilhos algo que ainda não-nascido. 

O filme não tenta criar filtros para a miséria, a real ou a humana, diferente do que outras abordagens da latinidade costuma fornecer para esse recorte. No Caminho é um jogo que avança sobre as possibilidades do real para lidar com a falta de afeto entre homens, sejam gays ou heteros, uma força bruta que, apesar de tal, dispensa um envolvimento mais naturalista na imagem. Nesse sentido, nenhum filtro de cores caberia mesmo para redefinir algo para qual não existe espaço; através dos momentos de arroubo para essa fantasia entalada (que são poucos, apenas uma pausa para um suspiro possível), o filme tenta incumbir esses homens de alguma vulnerabilidade. São lugares onde a luz não costuma entrar, como nas boléias e nos pensamentos. 

Aos poucos, tudo o que é brutalidade, se transforma em afetuosidade, por conta da solidão que estão assolados aquelas figuras. Pablos, vindo de um filme coletivo como O Baile dos 41, aqui enxerta seus protagonistas em um caminhão e os deixa sangrar de desejo por lá. Esse encarceramento não-intencional dos personagens é a fagulha indispensável para que suas histórias se paralelizem, conectando-os às inúmeras ausências que ambos sofrem. O roteiro nem se dá ao trabalho de tornar claros tais passados, porque está tudo estampado nos rostos e no corpo, na forma como tudo entra em ebulição com certa facilidade a cada mínima aproximação. 

A dupla de atores em cena corresponde com qualidade aos seus personagens, cheios de contradições que nem sempre são compreendidas por quem os vive. Victor Miguel Pietro vive Veneno com uma melancolia latente, um tipo que olha para o outro sempre querendo pedir um abraço, ou talvez até colo. Já Osvaldo Sanchez, um pouco mais velho, é o grande destaque de No Caminho, porque sua caracterização é mais robusta, representando uma opção mais arriscada de símbolo masculino. Temos um macho alfa típico, que baixa a guarda quando percebe que o carinho não tem gênero, e pode ser encontrado em cada esquina das grandes cidades, mas que a cisão com sua dureza típica seja menos habitual de encontrar, explicitamente. 

Se o desfecho de No Caminho apela para um clichê dos mais básicos, essa representação e afunilamento acaba por também colocar o espectador para repassar o que viu, e chegar a conclusão de que toda a produção, na verdade, é um grande déjà vu. A qualidade do que vemos é que notabiliza a produção, mas não estamos diante de uma obra repleta de originalidade; mesmo dentro do espaço queer, o roteiro já foi apresentado anteriormente. Dada a evolução do diretor, esse é o trampolim para o nosso envolvimento com uma produção sensível acerca de homens que só se pintam como fortes, para esconder suas fragilidades e receios. 

Um grande momento
O sonho de Veneno 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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