- Gênero: Comédia, romance
- Direção: Christopher Winterbauer
- Roteiro: Max Taxe
- Elenco: Cole Sprouse, Lana Condor, Zach Braff, Mason Gooding, Emily Rudd, Michelle Buteau, Christine Addams, Cameron Esposito, Sunita Deshpande
- Duração: 100 minutos
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Quem me acompanha, sabe do meu incômodo com um tipo específico de mensagem que o cinema (quase que essencialmente o estadunidense) criou no imaginário coletivo: aquele onde precisamos abrir mão de tudo – desejos profundos, jornadas infinitas e principalmente dinheiro, muito dinheiro – para encontrar uma tal de felicidade que geralmente é apresentada de maneira genérica. Nossos Sonhos de Marte estreou hoje na HBO Max e parecia mais uma narrativa onde essa seria a moral da história; ok, talvez até ainda seja sobre isso. Mas tem umas camadas sobrepostas a isso no passatempo cômico-romântico que, vá lá, conserva com qualidade o público na frente da tela durante 1h40.
Christopher Winterbauer é um diretor com uma longa carreira no curta-metragem, e que entrega seu segundo longa, uma ficção científica existencial com mais do que toques de comédia – na verdade, tudo está interconectado no roteiro e no timing da produção. O diretor entende do universo que está apresentando, e não estou falando de viagens espaciais e colonização interplanetária, mas da solidão e da dependência de fatores externos para justificar nossa mediocridade. O filme aposta em um reconhecimento de terreno mútuo, onde não se percebe a intercomunicação direta, mas onde seus protagonistas tentam fugir do que veem à sua frente: seu reflexo no outro.
A narrativa aqui é quase inteiramente fechada em seus dois protagonistas, Walt e Sophie. Apesar de serem absolutamente diferentes um do outro, eles se conectam pela fagulha que os une – a necessidade de ir para Marte. São jovens que espelham no filme uma realidade coletiva externa, a de não encontrar seu lugar no mundo e então partir para uma realidade alternativa. Na vida real, essa desintegração social leva na maior parte das vezes ao negativo; o que o filme mostra é que essa fuga pode render muito mais do que uma aventura significativa. Sair de sua zona de conforto para o filme é, acima de tudo, se colocar à disposição do outro, é encontrar no outro o que te complementa, é abrir mão da segurança que a rotina nos dá, para nos maravilharmos com o novo.
A aproximação dos personagens se dá por meio de suas ausências particulares, e ajudam o roteiro de Max Taxe a se aproximar do espectador, através da humanidade inerente a eles. Walt é um cara que sonha em conquistar o que não encontra em si, algo espetacular e estritamente especial; Sophie deseja descobrir o valor dos propósitos com a qual vive há 8 anos. Ele precisa aceitar o mundo e a si como parte integrante de um universo comum, sem atrativos – quando ninguém é especial, todos são?; ela precisa descobrir o próprio lugar, uma narrativa singular para chamar de sua. Juntos, eles perceberão que suas buscas individuais não estão em pauta, e assim reajustar o interior.
A “casca” de Nossos Sonhos de Marte impressiona, por imaginarmos que, a uma comédia romântica, não seriam destinados tantos recursos. O susto se justifica pela direção de arte caprichada a cargo de Eddie Matazzoni, cheia de até mesmo algum refinamento, além da montagem acurada de Harry Jierjian (de Com Amor, Simon), que organiza o ritmo do filme para ocupar gêneros que se cruzam e intercomunicam de maneira adequada. Perceber que uma produção tenta impressionar em muitos quesitos, e sai do padrão esperado para alcançar novas vias de comunicação – material estético e narrativo – é a prova de que o entretenimento não pode ser tratado como descartável. E eu nem citei os ótimos efeitos especiais, bastante acima da média.
A dupla de protagonista é a mais adequada possível para o tratamento de normalidade que o filme procura. Lana Condor (da cinessérie Para Todos os Garotos que Já Amei) não é vendida pelo padrão social hegemônico, e Cole Sprouse (de Riverdale e… você sabiam que esse CARA é a criancinha que protagonizou O Paizão ao lado do Adam Sandler?) tem excelente emprego de comicidade em sua performance. Não há química entre eles, e isso é bom, porque não há cruzamento em suas linhas de raciocínio; quando eles se percebem, pode ser tarde demais. E esse é uma das qualidades de Nossos Sonhos de Marte, mostrar que as individualidades devem vir em primeiro lugar. Que bela mensagem para uma comédia romântica, não?
Um grande momento
Passeio espacial