O universo mágico onde seres inanimados ganham vida quando ninguém está olhando tem um lugar especial no imaginário humano. A atração vem por uma mistura de dois elementos: a realização do faz-de-conta, pois é quando a criança (ou qualquer outro ser vivo) que inventa as histórias dorme ou está ausente que eles vivem suas próprias vidas, e o mistério, por não poder descobrir o que acontece naquela realidade, já que esses seres, a princípio, jamais coexistirão. Wander to Wonder traz bonecos, inusitados, diga-se, pois são parte de um programa de televisão. O nome vem da própria atração, apresentada por tio Billy e com seus amiguinhos bonecos Mary, Billybud e Fumbleton.
Com o público já interessado, a diretora Nina Gantz passeia pelo tempo fazendo um retrato da mudança geracional e suas implicações na linguagem televisiva, no próprio dispositivo e em sua programação. Falando do tempo, da inocência, de novas maneiras de encarar o mundo e se relacionar com ele (e com o passado também), passeamos entre o começo da história de “Wander to Wonder”, o show, para chegar a um presente quase apavorante. Nele não há entendimento ou coordenação. O que existe ali é abandono, luto e criaturas que não têm a menor ideia de como lidar com isso.
O curta vai se desenvolvendo de maneira perturbadora, exibindo aos poucos aquilo que já era percebido. O humor, porém, nunca deixa de estar presente, causando no espectador um estranhamento interessante, fazendo-o perceber no filme uma certa identificação, em especial em momentos de perda de figuras referenciais. O que parecia estar interessado em alcançar uma geração aprofunda sua discussão e chega a um outro ponto, num descortinar de outras dinâmicas interpessoais.
Gantz é uma animadora habilidosa e, em mais uma fricção, aborda temas complexos e pesados com o seu stop motion fofinho. Cuidadosa com todos os elementos, faz um trabalho primoroso de ambientação e usa a luz e o som para criar e instigar a tensão durante todo o filme. A exposição gradual da derrocada é incrível. Referências ao universo daquelas criaturas são, ao mesmo tempo, elementos aflitivos e bem-humorados. Seja na busca por habilidades shakespearianas, na contação de histórias e ou na reprodução de velhas marcas e roteiros. Aqueles que antes falavam para muitos e eram importantes, hoje falam para ninguém. E não têm nem quem os ajude em um momento de necessidade.
Há claro, muita ingenuidade na constituição dessas personas e atenção a suas personalidades: a otimista sábia, o habilidoso tolo e o talentoso destemido. Três seres aprisionados em uma realidade, que, em isolamento, perderam o passar do tempo e todas as mudanças tecnológicas e sociais. Além de, agora, só se relacionarem entre eles, não entendem mais como o mundo se relaciona com as figuras deles. E agora eles têm que descobrir como fazer sentido novamente. Possivelmente, em um universo paralelo qualquer, seguindo o padrão da não coexistência. Porém, mesmo em outro ambiente, o que se vê na tela são coisas que fazem parte do outro mundo, este aqui, bem humano.
Um grande momento
O último picles